Seja em conversas casuais com amigos, na fila do banco, ou em sala de aula, não foram poucas as vezes que você ouviu os mitos abaixo.
Como se tivessem vida própria, eles são reproduzidos sem muito questionamento, como se fossem verdades autoevidentes irrefutáveis questioná-los pode significar receber a pecha de ignorante.
E, assim, pouco a pouco, vão perigosamente influenciando o imaginário coletivo do Brasil com consequências desastrosas.
Enquanto o nosso país acreditar quase que em uníssono em coisas que simplesmente não são verdade, estaremos fadados a eleger políticas que no melhor dos casos não funcionam e no pior causam ainda mais dano, como os sete mitos abaixo.
Na década de 70, o economista Edmar Bacha escreveu uma fábula sobre Belindia. Na narrativa, Bacha conta a história de um economista que, viajando para um reino distante, é contratado pelo rei local a fim de calcular o PIB do país.
Analisando os dados do competente departamento de estatística da pequena nação, o economista imaginário rapidamente notou que o país parecia efetivamente ser dividido em dois. Um em que as pessoas eram ricas e sua renda crescia sem parar, parecido com a Bélgica, e outro recheado de pobres com a renda estagnada, como a Índia dos anos 70.
A fábula, é claro, era um retrato do Brasil setentista e foi uma descrição acurada do nosso país até a inflação ser debelada pelo Plano Real. Porém, partindo dessa premissa, muita gente resolveu dar um grande salto lógico: não é que o Brasil é pobre, o nosso grande problema são os nossos belgas, seres incapazes de abrir mão de um pouco da sua riqueza e vê-la distribuída entre os indianos.
Honestamente, seria fantástico que o Brasil pudesse resolver tantos problemas sociais apenas distribuindo renda, o grande problema é que o Brasil não tem tanta renda assim para ser distribuída.
Imagine que você, leitor, more em uma casa com quatro pessoas. Você, seu cônjuge, e dois filhos. Para a renda familiar da sua unidade residencial lhe enquadrar entre os 20% mais ricos do país, é necessário apenas que você e seu companheiro tenham um emprego que lhes pague 2.400 reais/mês.
Para entrar nos 10% mais ricos você e ele/ela devem ganhar cada um 3.800 reais; ainda muito longe da faixa “mais rica” do Imposto de Renda.
Os números não mentem, o Brasil é um país muito pobre. A renda mediana per capita do trabalhador das seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE na Pesquisa Mensal de Emprego (Recife, Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre) era, em dezembro do ano passado, de apenas 844 dólares já equiparados ao poder de compra dos EUA. Este valor é inferior ao que ganha o um americano que faça uma jornada de 40 horas de trabalho ganhando apenas o salário mínimo do país, e te torna elegível a se cadastrar em programas sociais como o Food Stamp.
De fato, alguém que está nos 20% mais ricos daqui tem chances reais de estar abaixo da linha pobreza americana. Com um agravante, os pobres daqui não tem ar-condicionado, tv a cabo, e carros como os pobres de lá.
Você já deve ter visto essa imagem no seu livro de história ou geografia do Ensino Fundamental:
Ela provavelmente teria como legenda: “o êxodo rural traz consigo diversos problemas sociais, como a pobreza e o crescimento das periferias nas cidades.”
O êxodo rural é provavelmente um dos fenômenos mais mal compreendidos do Brasil. Um caso clássico de enxergar apenas a superfície de um problema social complexo.
É óbvio que se pessoas em situação de pobreza se mudam para sua cidade você terá mais pessoas em situação de pobreza vivendo nela, todavia, isso não deveria ser encarado como um problema. Ao menos se sua intenção é ajudar os pobres.
Pode ser chato para muita gente ter que conviver com habitações irregulares na paisagem, mas para quem lá vive, aquela pode ser uma oportunidade única de escapar da pobreza. Não é sem motivo que as pessoas saem do campo, viver lá, no geral, significa viver pior.
Pense só, uma das metas do programa Luz no Campo do governo FHC era levar para três milhões de residências um item que até o mais pobre dos moradores da cidade tinha no início dos anos 2000: energia elétrica. Não conservar alimentos numa geladeira, assistir televisão e relaxar a mente, ou simplesmente aproveitar a noite sem correr o risco de incendiar sua casa no processo eram impossíveis para o agricultor.
O Brasil é um país pobre e a nossa zona rural puxa a média para baixo. De fato, em 2008, o PIB per capita da agropecuária era três vezes menor que o nacional.
A produtividade rural ainda é baixa em diversas cidades nos quais o trabalho manual ainda é a principal fonte de renda dos agricultores. Ao contrário do que geralmente é sugerido, a mecanização pode ser uma força promotora da permanência do cidadão no campo ao elevar a renda desta parte população através do aumento da sua produtividade.
De acordo com o estudo “A persistência da migração rural-urbana” realizado por dois pesquisadores da Embrapa, “[…] a tecnologia de máquinas e equipamentos permite que o Brasil expanda a área cultivada em pastagens. Elas são importantes para implementar a conservação de solos e a agricultura de precisão. A elevada produtividade da terra requer que as operações de plantio, de combate às pragas e doenças, de manejo da lavoura, etc. sejam feitas dentro de calendário estrito, portanto, com rapidez e capricho. Técnicas manuais não permitem que isso aconteça. Acrescem-se a proteção à saúde do trabalhador, redução do esforço que o trabalho requer e o fato de que a mecanização propicia ambiente mais saudável, evitando os efeitos do sol, chuvas e da poeira sobre os trabalhadores.”
Se o governo realmente está interessado em diminuir o êxodo rural, deveria permitir que a iniciativa privada tomasse conta da infraestrutura do país, facilitando a exportação de produtos agropecuários, e, consequentemente, elevando os salários do trabalhador rural. Ademais, também deveria permitir que o pequeno proprietário pudesse adquirir máquinas e outras tecnologias para sua lavoura, acabando com as barreiras a importação desses equipamentos que existem em nosso país.
Enquanto isso, simplesmente culpar a possibilidade de fuga das pessoas da pobreza de milhões de pessoas, ajudando a construir políticas públicas errôneas, não ajudará muita coisa. As cidades não criam pobres, elas atraem aqueles que estão ansiosos por uma vida melhor.
O morador médio da pequena cidade de Salgadinho no interior da Paraíba que migra para o Morro da Dona Marta no Rio de Janeiro, está escapando de um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) considerado “baixo” pelas Nações Unidas para um que é médio. De fato, hoje, Salgadinho ostenta o mesmo IDH que o Dono Marta tinha em 2000!
O economista da Universidade de Harvard Edward Gleaser há um tempo já resumiu bem a questão. O problema não são cidades, a verdade é que “não há futuro nenhum na pobreza rural.”
Tudo bem, o Brasil é um país pobre, em que as pessoas fogem para os grandes centros urbanos para escaparem da pobreza extrema, e o meio de sairmos dessa é protegendo nosso mercado e subsidiando as indústrias brasileiras, assim elas poderão produzir produtos de “alto valor agregado” em vez de os importamos, certo?
Bem, veja o exemplo de Hong Kong. Uma ilha minúscula, que, para complicar ainda mais, tem 40% de todas as terras do país destinadas à reservas naturais e parques. 41% das exportações da ex-colônia britânica são metais como ouro, prata e cobre, isto é, matéria-prima com pouco valor agregado, diferente de circuitos integrados que representam menos de 2% da pauta de exportações e usam estes mesmos metais para serem produzidos.
Esse fenômeno é fruto direto da política de livre comércio unilateral com o mundo inteiro que a ilha adota. Não existem impostos de importação, quotas, ou uma indústria protegida; ainda assim o PIB per capita da ilha é 20 mil dólares maior que o do país high-tech exportador de carros, máquinas, e equipamentos eletrônicos conhecido como o Japão.
Coisa parecida ocorre na Nova Zelândia. Com um PIB per capita quase quatro vezes maior que o brasileiro, o produto que eles mais exportam é leite (15% da pauta de exportações). O segundo, carne de ovelha e bode (5.68%). De fato, boa parte das exportações da Terra Média são produtos agropecuários. Os produtos mais exportados pela Austrália são minério de ferro e carvão. No Chile, cobre.
A tara por fazer carros e eletrônicos brasileiros é antiga. Joaquim Murtinho e Eugênio Gudin foram taxados de atrasados, “agriculturistas”, por Rui Barbosa e Celso Furtado por se recusarem a defender incentivos para a “manufatura”. Como se argumentassem que o brasileiro deveria viver longe da modernidade, esquecendo que o comércio é uma máquina em que você planta banana e colhe televisões de LCD.
O Brasil não precisa fazer televisões de LCD. Na verdade, é provável que nós sejamos terríveis nisso. Não temos know-how, engenheiros e infraestrutura. Para completar, nossas fábricas de eletrônicos ficam isoladas em Manaus, acessíveis apenas por barco e longe do público consumidor.
Há mais de 300 anos David Ricardo parecia estar olhando para o Brasil quando argumentou que você não precisa ser bom em tudo para enriquecer. Basta focar naquilo que você comparativamente saber fazer de melhor, naquilo que vale mais a pena você produzir, e usar isso como uma vantagem.
Imagine que uma televisão de LCD custe 1 tonelada de bananas. Ora, se você consegue plantar uma tonelada de bananas gastando menos tempo e dinheiro do que gastaria para fazer uma televisão de LCD, então, vale mais a pena plantar as bananas e trocá-las com alguém que não sabe plantar bananas, mas gosta delas, e é o ninja do cristal líquido.
Não se esqueça, todos os investimentos que você quer que o estado faça para produzirmos televisores tem um custo, que devem ser somados aos que teremos quando desviarmos recursos da produção daquilo que somos bons para aquilo que somos ruins.
Pense só, você queria estar sentando numa mina de ouro ou aprendendo a fazer semicondutores? Todo nosso sonho é poder ser rico apenas por estar no lugar certo. Se industrializar foi uma opção dos países que não tinham um solo fértil, nem minérios, nem qualquer outra riqueza natural. Países como a Noruega, Nova Zelândia, Austrália, etc. entenderam os princípios e vantagens do comércio e passaram a agradecer a dádiva que a natureza os deu de serem ricos sem esforço.
De acordo com o DataSUS, apenas em 2013, 42 mil pessoas foram mortas no trânsito brasileiro. No ano anterior, 188 mil tinham se ferido gravemente. São números digno de uma guerra, comparáveis apenas aos da violência urbana em nosso país.
Muita gente acha que o maior culpado para a mortandade no trânsito é o “motorista brasileiro”. Ajuda a reforçar essa impressão jovens serem o grupo etário que mais se envolve em acidentes de trânsito e o fato do Brasil matar bem mais em acidentes do que o resto do mundo.
É algo que os nossos políticos e burocratas parecem concordar. Nos últimos anos o governo federal foi pródigo em sancionar leis e resoluções que tornam mais duras as regras de trânsito e a formação do motorista. Desde a exigência do farol baixo aceso nas rodovias, passando pelo aumento em mais de 50% valor das multas, até a obrigatoriedade do uso de simuladores em autoescolas.
Óbvio que a ideia não está de todo errada. Se um motorista realiza uma ultrapassagem indevida e causa um acidente, a culpa é dele. Mas resumir toda a questão a apenas um dos elementos é um erro que pode ser literalmente fatal.
Um relatório recente do Banco Mundial, apontou que a “culpabilização da vítima [de um acidente de trânsito]” é um dos entraves para reformas efetivas que garantiriam a segurança nas vias. Ainda de acordo com o estudo, as estradas brasileiras não são seguras e não admitem que motoristas são humanos e podem cometer falha. Resultado? Mais mortes.
Pense por um segundo como é comum a falta de acostamentos ou como barreiras feitas de concreto dividem rodovias. Um estudo recente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) mostrou que 77,9% das estradas brasileiras tem “problemas de geometria de via, como falta de acostamento ou faixa adicional em subida, curvas perigosas e danos em pontes e viadutos”.
De fato, não são poucas as estradas que se tornaram catalizadores para sinistros graças a ineficiência estatal. Bastou a BR-040 ser privatizada e receber sinalização, novas placas, e ter uma equipe que rapidamente retirava automóveis quebrados da via para o número de acidentes cair 27%. O mesmo ocorreu no Corredor Dom Pedro que viu o seu número de óbitos cair 64% em seis anos com os investimentos feitos pela concessionária.
O estudo do Banco Mundial também lembra que 77% das estradas estão nas mãos dos munícipios, mas são poucos os que tem recursos para mantê-las; sendo comum os investimentos serem baseados naquilo que vai dar mais popularidade para o prefeito, e não o que vai trazer mais segurança aos motoristas e pedestres.
Além disso, o uso excessivo do modal rodoviário para se transportar cargas e pessoas tem sua parcela de culpa. Até mesmo a falta de transporte público – seja individual ou coletivo – acessível influência os números. Um estudo feito por dois economistas, Angela K. Dills e Sean E. Mulholland, da Western Carolina University, analisou 150 cidades em que o Uber passou a atuar, e concluiu que a chegada do serviço numa cidade levava a redação no número de acidentes com vítimas fatais.
Vale lembrar também que os carros vendidos no Brasil são notoriamente mais inseguros que suas contrapartes europeias ou americanas. Reportagem da Associated Press há três anos mostrou como “os carros mais populares estão 20 anos atrasados em comparação aos dos países industrializados, e abaixo dos padrões globais“.
Isto é, além de se acidentar mais, o brasileiro se acidenta pior.
Não é muito difícil imaginar porque tanta gente acredita nesse mito. Universidades privadas não são exatamente baratas, ainda por cima para quem está entre os 20% mais pobre do país, que, como você descobriu no primeiro item deste artigo, definitivamente não tem dinheiro.
O grande problema é que os números não batem. As chances de um jovem que mora em uma família com renda per capita de R$ 250/mês conseguir entrar em uma universidade pública são praticamente nulas. Enquanto isso, jovens com uma renda familiar per capita de R$20 mil/mês tem 40% de chance de chegarem lá.
O filtro do vestibular é intransponível para muita gente que vem da escola pública e tem que concorrer com o ensino de qualidade das escolas privadas.
Uma pesquisa feita pela Fundação Lemann com jovens que terminaram o ensino médio teve um resultado estarrecedor. Com 80% deles tendo sido formados em escolas públicas, eles “não dominam conteúdos básicos da matemática, têm dificuldades com estimativas de valores, com cálculos de descontos e reajustes e para ler planilhas e gráficos”.
Isso faz com que boa parte dos 20% mais pobres que estão no Ensino Superior frequentam instituições de ensino privadas. De fato, boa parte das pessoas que estão no ensino superior estão em instituições privadas, como mostra o Censo da Educação Superior de dois anos atrás. Apesar de custarem bilhões de reais ao povo brasileiro por ano, as instituições públicas de ensino têm menos de ¼ dos alunos.
Diante de tamanha evidência dos números, economistas de esquerda mentiram com estatísticas a fim de ludibriar o público leitor. Em artigo publicado na Carta Capital, o economista Bruno Mandelli afirma que, “O ensino público é elitizado, mas não há nada que indique que o sistema privado de ensino superior seja mais popular.
[…] os estudantes que faziam parte dos 20% mais pobres da população brasileira representavam 7% dos estudantes do ensino superior público e apenas 3,4% do ensino superior privado. Ou seja, os ‘mais pobres’ estão nas universidades públicas no dobro da proporção verificada nas privadas. ”
Ao não pôr os números brutos na mesa, Mandelli tenta induzir o leitor a acreditar que as instituições estatais recebem mais pessoas em situação de pobreza do que as privadas. Todavia, no ano em questão, 2013, 182.697 pessoas que pertencem ao 20% mais pobres do país estavam matriculadas em faculdades e universidades privadas, enquanto na rede público o mesmo número era de 135.276 pessoas.
Isto é, em apenas um ano, a rede privada atendeu cerca de 47 mil pessoas a mais do que sua contraparte estatal. Com um “porém”. Um aluno de uma universidade estatal consome em recursos públicos o equivalente a quatro alunos do ensino básico.
Experimente colocar no Google “Brasil tem leis avançadas”. Você verá um festival de elogios a legislações que simplesmente são impossíveis de serem postas em prática.
O constitucionalista italiano Luigi Ferrajoli vê a constituição brasileira como uma das cartas magnas mais avançadas do mundo devido ao seu conteúdo programático. O pedagogo Antonio Carlos Gomes da Costa, da Unicef, enxerga o Estatuto da Criança e do Adolescente “como [uma] legislação avançada porque traz para o interior do panororama legal brasileiro o que existe de melhor nas normas internacionais.”
Com tanta legislação boa o que faltaria para nós sermos um país de primeiro mundo? “Falta fiscalização do poder público e conscientização da população”, nas palavras de Ana Maria Barbosa, da Rede Saci, organização não-governamental de difusão de informações sobre deficiência, ao comentar como a legislação brasileira sobre a pessoa com deficiência era “avançada”.
Pode não parecer, mas ter tantas leis e burocracia que não entram em contato com a realidade tem custos visíveis e invisíveis.
Um aparato estatal tão grande exige da sociedade uma contrapartida do mesmo tamanho, tornando o Brasil um dos países em desenvolvimento com a carga tributária mais alta do mundo! Com tantos impostos em cima de pessoas tão pobres, fica difícil poupar, investir, e gerar crescimento econômico.
Resultado? A carga tributária nunca é o suficiente para atender todas as demandas do estado e tem que ser continuamente aumentada, diminuindo a capacidade do brasileiro engendrar o processo econômico, e levando ao estado ter que pegar ainda mais dinheiro para fechar suas contas, em um círculo vicioso terrível.
Para atender o programa da Constituição de 88, já aumentamos a carga tributária em 10% e provavelmente teremos que aumentar em outros dez nos próximos anos se nada for feito.
Além disso, ao querer fazer tudo, o estado brasileiro acaba por fazer nada, e é o país que menos dá retorno a população em proporção aos tributos pagos.
Fora tudo isso, tantas leis e burocracias, tentando regular cada espectro da atividade humana em nosso país, obrigam empreendedores a perder mais tempo lidando com papel do que com os seus clientes.
A criação de tributos específicos – PIS, CSLL, COFINS, INSS – para bancar a “avançada” Seguridade Social brasileira pode ter parecido uma boa ideia em algum momento, mas hoje contribui para o empreendedor brasileiro ser entre os latino-americanos o que mais gasta tempo, quase 10x a média da região, organizando os documentos necessários para pagar estas contribuições.
Políticos não tem uma caneta mágica. Criar uma lei simplesmente não muda a realidade, de fato, é provável que tentar resolver problemas sociais complexos de cima para baixo, como leis tentam, os piorem.
Imagine que todas as políticas públicas do Brasil são feitas de maneira uniforme, para todos os brasileiros, de Oiapoque ao Chuí, independentemente de suas realidades locais. O Bolsa Família só se tornou um programa bem-sucedido porque rompeu com essa lógica e colocou o dinheiro direto na mão do necessitado, deixando a cargo dele, e não de uma lei, decidir o que era mais “avançado” naquele momento.
Simplesmente acreditar que uma lei dará certo ou é esteticamente agradável não a torna melhor, nossas leis têm que procurar resultados, não intenções. Isso não é algo novo. Ainda em 1731, ao investigar o declínio das nações muçulmanas, o pensador e inventor turco Ibrahim Muteferrika arrematou:
“Por que as nações cristãs que eram tão fracas no passado em comparação com as muçulmanas começaram a dominar tantas terras nos tempos modernos e até derrotaram o antes vitorioso exército otomano? Porque eles têm leis e regras inventadas pela razão”
Você consegue imaginar o Brasil sem tanta roubalheira? Com hospitais e escolas sendo construídos sem superfaturamento e os fiscais do governo mandando para cadeia os que tentarem corrompê-los? Certamente seríamos um país melhor, mas não tão melhor quanto comumente acreditamos.
A corrupção custa em média 2% do nosso PIB por ano. Coisa de 100 bilhões de reais. Eliminá-la certamente ajudaria na nossa economia e nos faria uma nação moralmente melhor, ainda assim, boa parte dos nossos problemas persistiriam, como os acionistas da Petrobras descobriram do pior jeito possível.
A estatal petrolífera sofreu com um dos maiores esquemas de corrupção institucionalizada que se tem notícia na história do mundo.
De acordo com a acusação do Ministério Público Federal, foi criado no seio da companhia uma operação institucionalizada a fim de garantir que todo e qualquer gasto fosse superfaturado e gerasse recursos para o caixa dos partidos que estavam no governo, notoriamente o PT, e as conta-correntes de envolvidos no esquema.
A Polícia Federal estima que o esquema deu 42 bilhões de reais em prejuízo a Petrobras. Um número certamente impressionante, mas menor que os R$ 98 bilhões de perda causados pela política de não reajustar o preço dos combustíveis a fim de não pressionar os índices de inflação entre 2011 e 2014.
De fato, uma má gestão pode ser muito pior que qualquer escândalo de corrupção. A fraude fiscal que Dilma Rousseff cometeu e a levou ao impeachment não envolveu diretamente o enriquecimento dos envolvidos. Todavia, suas consequências foram bem mais graves pondo milhões no desemprego, na pobreza, e criando uma crise econômica e política que desestabilizou o país.
Como o economista Carlos Góes, do FMI e do Instituto Mercado Popular, argumentou “práticas fiscais [como as feita por Dilma] têm consequências sociais muito mais profundas do que episódios específicos de enriquecimento ilícito”
O nosso maior problema é o fato do estado estar envolvido em cada aspecto das nossas vidas, acarretando em vários outros entraves, inclusive, a corrupção.
Oficiais são subordinados para liberarem um alvará porque o estado exige um alvará em primeiro lugar. Só há corrupção em estatais porque, bem, há estatais!
Com tantas oportunidades de negócios lucrativos sem muito esforço, pessoas mal-intencionadas naturalmente voltarão seus esforços para o controle da máquina estatal. E capciosamente usaram parte dos lucros e poderes auferidos no processo para se eternizar dentro do estado, em um círculo vicioso difícil de escapar.
Se você quer ver menos políticos roubando, tem que combater a causa, o excesso de poder e dinheiro concentrado nas mãos de pessoas que tem pouco a perder caso ajam de forma irresponsável, e não os sintomas.