Luiz Eduardo Peixoto | 14 de abril de 2017
[Artigo originalmente publicado em 10 de agosto, 2015]
Em matéria publicada na edição de 15/07/2015, a Revista Exame colocou em sua capa o rosto de Marcelo Odebrecht, presidente da maior construtora da América Latina – até ser capturado pela Polícia Federal no mesmo mês, em decorrência da Operação Lava-Jato. A reportagem, intitulada “O risco Odebrecht”, expõe como a situação problemática que a empresa se encontra, dado altíssima dívida, desconfiança do mercado e investimentos apoiados na cadeia de Óleo e Gás, que agora sofre na desaceleração da Petrobras.
A Odebrecht encontra-se sob investigação da PF devido a diversos acordos escusos com atores da política brasileira que apontam para fortes suspeitas de corrupção, formação de cartel, lavagem de dinheiro e organização criminosa – nesta primeira fase. O esquema de corrupção se deu ao subornar agentes com influência no governo para auxílio direcionar licitações, liberar empréstimos subsidiados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), sonegar impostos e sobrepreço em obras monumentais do Governo Federal e de suas estatais, em especial a Petrobrás. A contrapartida seriam “doações” oficiais para financiamento de campanhas e pagamento para empresas fantasma ou consultorias-fantasia, com dinheiro sendo canalizado para o exterior e depois de volta para o país, em ato de caixa 2, para partidos e indivíduos.
Menciono aqui a reportagem porque ela trás dados, no mínimo, interessantes: 15% da dívida líquida da empresa, em torno de R$ 63,3 bilhões em 2014, é constituída por recursos do BNDES – isto só contando o banco em si, sem BNDESPar (tem participação em boa parte dos contratos) e sem o Fundo de Investimentos mantido por todos que trabalham de carteira assinada no país, via FGTS.
A Odebrecht participa em seis das dez maiores obras do PAC, inclusive do Comperj no Rio de Janeiro (custando R$ 45 bilhões valor que aumentou 2,5 vezes desde o projeto), Usina de Belo Monte (R$ 30 bilhões) da Refinaria Abreu e Lima (R$ 26 bilhões e cinco anos atrasada), entre outras. É impressionante a fatia da empresa nas obras públicas de grande envergadura no país, abocanhando boa parte do gigante pacote de investimentos em infra-estrutura iniciado pela presidente Dilma no início do mandato.
O problema: o pacote de investimentos englobou menos obras que o previsto, mas o custo das obras cresceu exponencialmente – para a conclusão de obras em sua grande parte atrasadas.
Além disso, chama atenção as “doações” da Odebrecht para o Instituto Lula prestar “consultorias” e para o ex-presidente dar palestras na empresa, em valores quase sempre superando os milhões. Não causa surpresa a defesa enfática da empresa por ele como presidente em suas visitas a outros países, onde ajudou a garantir contratos para a empresa em países como Venezuela (metrô de Caracas) e Cuba (porto de Mariel). Sempre com financiamento garantido pelo BNDES.
Mas, não seria a Odebrecht um caso de sucesso, dado que alcançou o posto de maior empreiteira da América Latina? Estaria a Lava-Jato criminalizando uma escolha legítima do governo de ajudar no sucesso de suas empresas?
Ademais, não teriam outras empresas também recebido financiamentos do BNDES a juros subsidiados, dado que o governo financia diversas empresas pelo banco?
Entre 2010 e 2014, o BNDES – cujo papel é mitigar a escassez de crédito muitas vezes fatal para a atividade privada no país e dar condições ao investimento – ofertou cerca de R$ 841 bilhões (!) em financiamentos subsidiados, com juros entre 3 e 5% anuais (com o mercado acima de 10% em geral). Se na propaganda institucional do banco o foco é no pequeno empresário, a realidade é outra; de acordo com dados do próprio banco, em 2012, 63,5% dos seus empréstimos foram direcionados a empresas de grande porte – com receita bruta superior a 350 milhões, que conseguem se capitalizar facilmente a juros mais baixos no mercado. Até 2014 não houve mudança nas políticas do banco, que priorizavam grandes grupos, com o índice estando em cerca de 85% para grandes e medias empresas do total do valor.
Então, porque concedemos os empréstimos? A resposta do engrandecimento do BNDES está correlacionada fortemente com a estratégia de “grandes vencedores”; criar, artificialmente, empresas com penetração no exterior. Além disso, também é resultado dos grandes pacotes de obras do governo e estatais, quase todas atrasadas e com contratos aditados para custos muito superiores – como as refinarias da Petrobrás, umas inclusive canceladas após a efervescência do pré-sal.
A saída para a falta de competitividade do país foi criar alguns grandes competidores – sem procurar solucionar-se, portanto, os grandes e reais gargalos: altíssimo custo Brasil, mercado de trabalho pouco flexível e carga tributária complexa e muito elevada. Era muito mais fácil – e, como a PF vem descobrindo, mais vantajoso – apoiar alguns grupos da elite empresarial do país (que há tanto vem lucrando com o nacional-desenvolvimento) do que equacionar nossos reais entraves.
Além de ser artificial – em empresas viciadas em dinheiro público – a estratégia sufocou a concorrência, por dar condições mais vantajosas aos grandes grupos. Além disso, o desenho dos editais das grandes obras tornou ainda mais difícil a competição de médios empresários – bem como restrições diretas ou indiretas evitaram muita penetração de empresas do exterior, gerando as condições perfeitas para um “clube do bolinha” entre nossas empresas, tal qual visto nos investimentos das Ditaduras Militar e Varguista.
Todo o esquema mantido por dinheiro público, seja via subsídios ou investimento direto do governo. E no último elas ganhavam duas vezes: pelo BNDES e com o dinheiro público na obra, que em geral era redimensionado para 2, 3, 4 vezes o valor original. O custo anual dessas taxas subsidiadas é de cerca de R$ 40 bilhões, de acordo com o especialista em contas públicas Mansueto Almeida.
Ou seja: ineficiência das obras lentas e por vezes mal feitas no país premiada com dinheiro do contribuinte, por duas vias diferentes. Um fator escondido aí é a perda de dinamismo econômico, já que dar todas as possibilidades para uns poucos significa deixar uns muitos de fora, lutando por si próprios, em condições desiguais – e a dependência dos rios de dinheiro público, quando este seca, evidencia o caráter artificial da questão.
Nossa carga tributária, próxima dos 40%, junto com os superávits acumulados do boom recente de commodities, certamente acomodou isto por algum tempo – mas, aliado ao descontrole do funcionalismo público e da previdência social, hoje não comporta mais esta “mão amiga” do Estado brasileiro.
Explica-se muito da crise política, econômica e fiscal pela qual o Brasil passa. O esquema megalômano do qual a Odebrecht é só participante também reflete um lado (e maléfico, diria) característico de estados paternalistas como o nosso: a aliança pública com entes privados, numa visão não pró-mercado, mas pró-negócios. Isso não é nada novo, com padrão repetido desde Vargas ou a República Café-com-Leite até Fernando Henrique ou Lula. A diferença aqui é a escala e o contexto; democrático, sob um mundo emergente que ganha sendo globalizado e perde sendo fechado para si e para seus “vencedores”.
Se não bastasse a população ficar com obras mal executadas, demoradas e caríssimas (já que não há incentivo a melhora nem cobrança), o fardo é amplificado pela quantidade massiva de impostos que são transferidas – do dinheiro do feijão da dona Ana, do arroz do seu José – diretamente para os bolsos de alguns empresários. Num país onde os impostos chegam a quase 40% do PIB, isto implica em um mecanismo de desigualdade legitimado.
Além disso, as escolhas dúbias da Odebrecht refletem o desenho absurdo das políticas de investimento e crédito do governo, que pareceram sob medida para agradar alguns empresários – e, ao mesmo tempo, fornecer poder de barganha de atores do governo para “negociar” melhores escolhas destes para o país (ou, ao que suspeita-se, para um projeto de poder). Não surpreende que todas as grandes empreiteiras do país embarcaram no jogo: com tanto dinheiro disponível, arriscando desvantagem se ficassem de fora, e sob a fachada de falsa legalidade, como não?
Restam respostas: se o Governo insiste em negar que nada fez de errado e as doações foram legais: porque estas foram as escolhidas? Porque optamos por incentivar o oligopólio por políticas públicas, com dinheiro do “povo”?
Qual a justificativa de um partido que argumenta governar para os pobres tirar recursos da população e dar para um punhado de empresários?
Luiz Eduardo Peixoto é Coordenador do Students For Liberty Brasil (SFLB).
Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] e [email protected]