Og Leme e introdução por Pedro Menezes | 13 de outubro, 2013
Neste editorial, publicado em janeiro de 1994, Og Leme fala sobre uma característica marcante no século XX: a ideia de que devemos abrir mão da nossa individualidade em nome de um bem maior, representado pelo governo. Esta é, provavelmente, a característica que distingue os liberais de esquerdistas e conservadores. É a noção de que indivíduos são indivíduos e são indivíduos. São portadores de direitos importantíssimos, que não devem ser relativizados em nome de valores de terceiros.
É curioso ler uma coluna com este conteúdo escrita em 1994. A intelligentsia nacional jamais perde a oportunidade de citar os anos 90 como um tempo em que os liberais cantavam vitoriosos, reinando sem qualquer oposição relevante no campo político e ideológico. Esta narrativa histórica pode ser refutada pela unanimidade quase obscena que a endossa nas cátedras universitárias tupiniquins. Se a hegemonia “neoliberal” foi tão devastadora durante os anos 90, como o discurso anti-mercado permaneceu intocável no ambiente acadêmico?
É verdade que algumas de nossas ideias foram incensadas numa década marcada pelo fim do império soviético. Afinal, depois de 70 anos, a primeira experiência socialista do mundo acabou moribunda – o país que povoou os sonhos de intelectuais de todo o mundo foi jogado na lata de lixo da história, tendo alçado o conceito de tirania a um nível nunca antes imaginado. Mas a adesão coletiva às ideias liberais foi parcial, muito tímida e de curtíssima duração.
A verdade é que os liberais sinceros e legítimos permaneceram isolados nos anos 90. Num isolamento ainda mais acachapante que os de hoje, em muitos aspectos. E o tom de muitos dos escritos de Og soam como um antídoto às narrativas caricaturais que nos são repetidas como verdades universais.
Por Og Leme
IL Notícias Nº 26 – Janeiro de 1994
Nada mais razoável: que o acessório venha como complemento do principal. Resta, porém, o problema de se saber o que constitui o principal. No caso do liberalismo, como doutrina, o que vem primeiro é a liberdade individual e sua recíproca, o direito que cada um de nós tem de buscar autonomamente a si mesmo, de identificar-se e desenvolver suas potencialidades, de buscar sem coerção os seus propósitos de vida, enfim, de tentar ser feliz à sua própria e diferenciada maneira.
Para que todas as pessoas possam usufruir desse direito em busca da felicidade, é preciso que elas reconheçam esse direito como sendo universal: ninguém poderá impor aos demais seus critérios de felicidade. É para que essa normal geral de justa conduta seja respeitada que existe governo, e para que essa instituição seja respeitável é preciso que não ultrapasse os limites da função para a qual foi concebida. O governo existe para que os direitos humanos à vida, liberdade e propriedade sejam preservados, e não para violar esses direitos.
Aceitar a ideia de governo não é fácil, porque o governo implica concentração de poder e monopólio no uso da força. Um governo deve, para ser eficaz, dispor do monopólio no uso da força, mas para ser autêntico, não deve usar seus poderes para fazer o que pode ser feito pelos indivíduos em um ambiente de liberdade e segurança. A liberdade é o principal, o governo é o acessório.
No Brasil de hoje, essa relação foi invertida: o governo se tornou o principal e os direitos individuais se submeteram a ele, na condição de acessórios meramente decorativos. Tão lamentável inversão de valores não se limitou ao nosso país; na realidade, foi uma das marcas do século XX. Nenhum povo esteve imune a ela, variando apenas o grau de contaminação em cada caso.
Afortunadamente, o século XX não está terminando sem que as trágicas consequências dessa inversão de valores sejam progressivamente reconhecidas e reparadas em um número crescente de países… menos no nosso, que continua insistindo em santificar o governo em detrimento dos direitos individuais. Essa nota foi redigida em meados de agosto, quando a imprensa noticiava uma importante reunião de figurões da política nacional ao redor do objetivo de se oporem à privatização, à desregulamentação e a outras medidas capazes de recolocarem o governo a serviço da preservação dos direitos individuais. Ainda é muito forte entre nós o interesse de alguns pela defesa do parque jurássico da era mesozoica, do qual figurões parecem ser leais e autênticos representantes. São os ativistas do atavismo, e alguns deles chegam à perfeição de encanar o physique du rôle de maneira impecável.