As crises americanas foram culpa do estado?

Matheus Raposo | 02 de outubro de 2013 |

É comum ouvir as pessoas atribuindo a existência das grandes crises econômicas dos Estados Unidos ao capitalismo ou ao livre-mercado. Para analisarmos essa questão, primeiramente devemos ter em mente dois conceitos (de reservas fracionárias e ciclos econômicos), para somente depois dissecarmos as causas e agravantes das principais crises norte-americanas – a Grande Depressão, que trataremos neste artigo, e a crise de 2008 ou do Subprime, que será assunto da minha próxima coluna.

  • Reservas Fracionárias

O sistema de reservas fracionárias, que vigora em todos os bancos (sejam eles americanos, europeus ou brasileiros), consiste em emprestar somente X% daquilo que se tem em caixa. Por exemplo: no Brasil, quando eu faço um depósito a prazo (poupança) de 10 reais em um banco X, esse mesmo banco pode emprestar 100 reais, ou seja, 10 vezes aquilo que ele tem dentro do caixa.

Mas de onde vem esse dinheiro? Bem, o dinheiro simplesmente sai do nada. É um estilo de negócio vulgarmente conhecido como fraude, mas que tem o aval legal para funcionar.

Os bancos simplesmente transferem a riqueza da população para os seus cofres, inflacionando a moeda através do aumento da oferta monetária.

E o governo não faz nada quanto a isso? Sim, o governo faz. Ele delimita quantas vezes os bancos podem multiplicar aquilo que eles têm em caixa. No caso do governo brasileiro, como já dito no exemplo, é de 10 vezes aquilo que todo banco efetivamente possui.

Outro fator de controle é a taxa SELIC, que o Banco Central estipula para toda transação interbancária. Assim, quando o banco X já extrapolou o limite de quanto ele poderia emprestar (10 vezes aquilo que ele tinha), ele pede um empréstimo de outro banco – por exemplo, o banco Y -, no qual a taxa de juros é delimitada pelo Banco Central.

Assim, quando o governo quer inflacionar a moeda para estimular o crescimento, ele abaixa a SELIC e possibilita que os bancos criem mais moeda e abaixem as taxas de juros.

  • Ciclos Econômicos

Os ciclos econômicos são as variações na estrutura econômica ocasionadas por um aumento na oferta monetária. Serão divididos em 3 fases: Boom, Recessão e Estabilidade.

  • 1º Fase – o Boom

Nessa primeira fase, temos um aumento da oferta monetária via reservas fracionárias. Tal aumento acaba abaixando a taxa de juros artificialmente (quanto mais dinheiro se tem para emprestar, menor tende a ser a taxa de juros). Lembrando: é um mecanismo artificial, já que a população não poupou para poder abaixar a taxa de juros, simplesmente criaram mais dinheiro.

O início do Boom leva a um aumento no consumo, já que está mais fácil de se conseguir dinheiro, e também ocorrerá um maior aumento na abertura de novos negócios, principalmente aqueles que antes eram inviáveis devido a taxa de juros alta.

Essa fase leva a população a consumir mais, a empregar mais e a criar novos negócios e empregos. Consequentemente a produção das empresas aumenta e a renda da população também sobe vertiginosamente. O Boom cria uma ilusão de crescimento que acaba enganando toda a população, embriaga-os com o falso crescimento.

  • 2º Fase – a Recessão

Agora, infelizmente, a 2º fase chega. Os primeiros sinais são uma alta nos preços. Consequência da inflação: quanto mais dinheiro a população tem para gastar, maior tende a ser o preço dos produtos. Logo depois se tem um aperto no crédito, ou seja, as taxas de juros sobem – já que estavam se tornando insustentáveis os índices de crescimento monetário.

Com isso, a população reduz o consumo, e aqueles novos negócios de longo prazo que haviam sido abertos e que foram os que mais pegaram empréstimos, se limitam a dar o calote nos bancos. Veremos o efeito dominó, pois quem tinha o dinheiro começa a quebrar e com isso vai levando toda a economia junto.

Nessa fase que vão ocorrer os índices absurdos de desemprego, junto de um crescimento baixo e de uma alta nos preços, o que foi denominado de estagflação. A ressaca chegou.

  • 3º Fase – a Recuperação

O que deve fazer quem oferta a moeda? Simplesmente nada, ou seja, deixar a economia se reorganizar sozinha. Assim foi feito na depressão de 1920-21, quando o governo não fez nada e a depressão se curou rapidamente. Sobre esse assunto, vale muito a pena assistir a essa palestra disponível no Instituto Mises Brasil.

Continuar com uma nova expansão de crédito provocaria efeitos muito piores, como foi o New Deal. Hayek mesmo brincava que o keynesianismo é quando, em um bar, todos já estão bêbados e entra um novo sujeito à pagar nova rodada de bebida para os bêbados, transformando aquilo que seria uma leve ressaca em uma mais forte, ou pior, em uma cirrose hepática. Talvez Keynes, quando proferiu sua histórica frase “No final todos estaremos mortos mesmo”, e no auge do seu alcoolismo, já fosse adepto do ditado popular “O melhor remédio para ressaca é nunca parar de beber”… Quem sabe, né? Talvez ele levasse as experiências da vida para a economia…

E como nos protegermos dos ciclos econômicos e dos sistema de reservas fracionárias?

Esclarecidos os dois conceitos, vamos dissecar a Grande Depressão. Mostraremos como as causas dela não foram decorrentes do sistema de livre mercado, mas do governo. Afinal, foi o governo, através do sistema de reservas fracionárias, detendo o monopólio de emissão da moeda, que criou a maior crise que os EUA já viram. E foi também o governo que, não satisfeito, piorou ainda mais a crise com o chamado New Deal.

A economia americana passou por diversos ciclos no século XIX, e o anterior a Grande Depressão, a crise de 1920-21. Ciclos esses que foram todos ocasionados pelo governo via reservas fracionárias, e assim, a Grande Depressão não nasceria de outra forma, se não pela tutela do FED (Federal Reserve System), similar ao Banco Central no Brasil, um órgão que detêm o monopólio da moeda.

Sob a administração do presidente Calvin Coolidge, em 1924, os bancos americanos conseguiram, em um ano, transformar 500 milhões de dólares que acabavam de ser criados em modestos 4 bilhões de dólares, multiplicando o montante inicial em 80 vezes. Em 1927, o FED incorreu em mais um surto inflacionário, cujo resultado foi fazer com que o total de dinheiro fora dos bancos mais os depósitos à vista e a prazo aumentassem de $44,51 bilhões, no final de junho de 1924, para $55,17 bilhões em 1929.O volume das hipotecas agrícolas e urbanas expandiu de $16,8 bilhões em 1921 para $27,1 bilhões em 1929.

O que isso causou? Um aumento na especulação de imóveis e ações, o que devido à alta procura e a população com dinheiro nas mãos, acabou levando a um aumento desenfreado dos preços.

Agora chegamos ao começo da ressaca, quando, após o governo americano e o FED verem que tais índices de expansão monetária estavam se tornando desenfreados, houve o aperto no crédito e os acionistas vendo que não se tinha mais tanto dinheiro para a compra das ações que, cada vez mais se valorizavam, ocorreu a queda vertiginosa nas ações.

Notem que não foi, como queria Keynes, uma crise de demanda, mas uma crise bancária que devido às distorções na estrutura monetária, e consequentemente, na estrutura produtiva, passaram informações erradas aos industriais e levaram-nos a produzir mais do que demandava a população. Ou seja, os industriais não esperavam por um aperto no crédito que diminuiria o poder de compra da população.

Em 29 de outubro de 1929, milhares correram para vender seus papéis, que agora já não valiam nada. Pronto: agora a economia ia começar a se reestruturar se o FED ficasse passivo sem imprimir mais dinheiro, não? Quem dera, mas ainda no governo Hoover houve controle de preços, aumento de gastos estatais, estímulo aos patrões para não reduzirem salários e ainda tornou se realidade a restrição de importações via tarifa Smoot-Hawley, o que além de prejudicar os mercados estrangeiros, também não ajudou a população americana que sofria com um desemprego de 7,8% (os índices da crise de 1920-21 estavam em torno de mais de 10%) e tinha produtos mais caros. Isso acabou levando a um prejuízo nas indústrias, que tiveram que demitir seus empregados e fechar suas portas, já que não conseguiam mais produzir. Ainda assim, Hoover hoje em dia é tido pelo mainstream como um presidente pró-mercado e laissez-faire.

Em 1931, a cirrose se tornou hepática, com o desemprego chegando a 8 milhões de pessoas. No ano seguinte, mais de 12 milhões. Tudo derivado das políticas trágicas do governo Hoover, que, não obstante, deu o golpe fatal nas indústrias, aumentando vários impostos. Não foi uma medida muito inteligente tornar mais caro a vida dos industriais e da população que já tinham dificuldades para produzir em função da crise, multiplicando o desemprego.

Agora entra a pior e mais mal interpretada fase da crise, o New Deal, onde o novo presidente Roosevelt conseguiu fazer tudo aquilo que não se devia fazer para se sair de uma recessão. O presidente Roosevelt: desvalorizou o dólar via reservas fracionárias em 40% e confiscou o ouro da população, tirando boa parte do seu poder de compra; criou o NRA (Administração da Recuperação Nacional), que visava a cartelização das empresas criando tabelas de preços, salários e condições de trabalhos; implementou um salário mínimo de 40 cents a hora e uma jornada de trabalho até 40 horas semanais. Fazendo isso, Roosevelt pretendia aumentar o poder de compra da população, mas devido aos aumentos nos custos de produção ele deu um golpe muito forte nas finanças das indústrias que já estavam fragilizada, levando 500 mil negros para o desemprego. E a crise ainda estava longe de acabar. Também tinham as gastanças inimagináveis do governo Roosevelt. Em 1934, por exemplo, o presidente prometeu gastos de 10 bilhões de dólares, sendo que a receita prevista era de 3 bilhões. Houve ainda um aumento da alta carga de impostos, assolando a população para poder arcar com os déficits públicos.

A economia só voltou a respirar em 1935 quando o desemprego caiu para 18,4%, e para 14,5% em 1936 (notem que o New Deal causou mais desemprego do que o início da crise quando era de 7,8%), devido ao fim dos decretos NRA (Administração da Recuperação Nacional) e do AAA (Primeiro Decreto de Ajuste a Agricultura), este que visava aumentar a renda dos agricultores para eles praticamente não plantarem nada, o que era bancando por um “imposto sobre processamento de produtos” . Mas o alívio logo iria acabar.

Logo em 1936 o governo Roosevelt, para compensar o fim do NRA, criou o Wagner Act que, na prática, deu plenos poderes aos sindicatos, deixando os patrões à mercê dos tribunais do recém-criado Conselho de Relações trabalhistas. Novamente a indústria foi prejudicada e as greves, boicotes e violência dos sindicatos só ajudaram a pôr, novamente, 10 milhões de pessoas na rua, desempregadas. Sem contar que “O Imposto Sobre Lucro Não Distribuído”, também de 1936, que confiscava cerca de 27% do lucro da empresa foi outro tiro no pé da indústria. E, novamente, como um marido que torna a confiar na infiel, o governo Roosevelt decretou o “Decreto dos Salários e das Horas” que aumentava o salário dos empregados e diminuía a carga de trabalho, aumentando os custos de produção.

Mas felizmente, para Roosevelt, em 7 de dezembro de 1941, a base de Pearl Harbor foi atacada e foi a chance perfeita para o governo americano mandar 10 milhões de homens saudáveis para a guerra tornando o desemprego um problema do passado. Não foi a 2º Guerra Mundial, em si, que acabou com a Grande Depressão, mas o fim das medidas do New Deal e a “exportação” de 10 milhões soldados para Europa fizeram com que a recessão finalmente amenizasse.

A Grande Depressão poderia muito bem ter sido evitada se o governo não tivesse o monopólio da moeda, ou seja, que não existisse um FED ou Banco Central, que monopolizam a oferta monetária, e que pudessem inflacionar nossa moeda para atender à interesses políticos dos governantes no poder. Assim, em um sistema onde a moeda não é monopolizada pelo estado, mas em um mercado livre, poderíamos optar pela moeda do banco X, que não atua no sistema de reservas fracionárias, assim me daria uma maior segurança, ou optar pela moeda do banco Y que atua no sistema de reservas fracionárias e tem taxas de juros mais flexíveis. Deixando, nas mãos da população, escolher qual moeda atende melhor a sua demanda. O problema é que o estado não nos dá a opção de escolher se queremos ou não ter nossa riqueza transferida para banqueiros sem podermos ter nem a opção de optar por uma moeda mais segura. E engana-se quem pensa que desmonopolizar a moeda é um utopismo, vendo que a moeda é uma criação espontânea do mercado, e não uma criação da clarividência estatal, um exemplo disso, é o atual Bitcoin. Mas com certeza, em um livre mercado, qualquer banco poderia inflacionar sua moeda até quando quisesse, mas nada impediria a população de migrar para outra moeda que se mostrasse mais segura, já no atual sistema a população fica a mercê dos bancos centrais, sem ter a escolha de optar por uma moeda mais segura.

Antes de afirmar que a culpa da Grande Depressão foi do mercado, leia acima novamente, e veja a impressão digital do governo em cada causa e agravante da crise. No meu próximo artigo tratarei da crise de 2008 ou do Subprime.

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