SIM!
NÃO!
Por Marcos Neves
Coordenador Estadual do SFLB no Amazonas
Na última semana, a sociedade brasileira deparou-se com a situação de calamidade do Estado do Espírito Santo. Situação que teve início no dia 04 de fevereiro, quando a polícia militar(PM) do Estado entrou de greve (o que é estritamente proibido pela Constituição Federal de 1988, disposto no Art. 42 e no inciso IV do art. 142).
Tal paralisação, foi o suficiente para gerar uma onda de violência e crimes no Estado. A título de informação, nesse curto período com ausência da polícia, já houveram mais de 200 lojas saqueadas e mais de R$100 milhões de prejuízo para o comércio, e até o dia 10 de fevereiro já haviam sido registradas 122 mortes resultantes desse caos na segurança pública.
Essa situação gerou um profundo desagrado aos cidadãos brasileiros, o que é bastante lógico, pois há um elevado grau de reprovabilidade das condutas criminosas. Muitas personalidades comentaram a situação de diversos pontos de vista:
Enfim, essas foram apenas algumas das opiniões e citações dirigidas ao ocorrido. Percebe-se um teor bem claro ao criticar a falta de ética do cidadão brasileiro ao se deparar com a ausência do Estado. O que mais assusta esses formadores de opinião pública e a sociedade como um todo, é o fato de os crimes estarem sendo cometidos por pessoas comuns, os vulgos “cidadãos de bem”, o que quer que isso signifique, mas muitos desses indivíduos estão envolvidos nos saqueios e talvez até nos homicídios (aproveitando a ausência do Estado para vingar seus desafetos etc).
Com toda essa baderna social, resultante da ausência do controle social exercido pelo Estado, só nos resta concordar com Hobbes, quando diz: “O homem, em estado de natureza, era de uma ferocidade instintiva e impeditiva de convivência pacífica.”, o homem é o lobo do homem.
Apesar de não concordar com a integralidade da teoria hobbesiana, por acreditar que ela deixa margem para algumas arbitrariedades estatais, ela deu uma contribuição fundamental (De que o homem em seu estado natural tende a selvageria, o que foi visto em Vitória na última semana). Que pode ser aperfeiçoada sob a ótica de Locke, que contribuiu afirmando em sua teoria que caberia ao Estado apenas a manutenção da paz e da segurança de todos, devendo respeitar os direitos fundamentais da pessoa humana. Ou seja, pode-se entender mediante os fatos observados e sob as perspectivas apresentadas, que o Estado é minimamente necessário para manter a ordem social e a paz.
Partindo das premissas anteriormente apresentadas para justificar minimamente o Estado, os indivíduos anarcocapitalistas (anarquistas de mercado) devem olha-las com bastante estranheza, e provavelmente acreditam refutá-las a partir do argumento de que só houve caos porque a população estava desarmada (por conta de uma regulamentação estatal desnecessária) e não dispôs de meios para defender suas propriedades. Argumento este que tem sua parcela de verdade, pois, dar ao cidadão o direito de proteger sua propriedade atenuaria o problema, mas utilizar isso como via de regra para afirmar que não haveria caos, é um sofisma gigantesco.
Pois, se os indivíduos tivessem a possibilidade de andarem armados, poderiam até pensar um pouco mais antes de tomar determinada atitude, afinal poderiam entrar em um conflito com outro indivíduo armado, o que colocaria sua vida em risco, um verdadeiro faroeste. Mas isso não seria o suficiente para impedir o indivíduo de agir, pois eles saberiam que se ganhassem a disputa, mesmo tirando a vida do outro cidadão, nada os ocorreria, porque não existiriam regras para determinar o que pode ou não ser feito, apenas ações voluntária baseadas no interesse e regidas por uma ética universal inexistente.
Fazendo uma analogia com o ocorrido, os cidadãos do Espírito Santo estavam todos desarmados, pois o fracassado estatuto do desarmamento impede o cidadão brasileiro de portar uma arma para defender sua vida e sua propriedade, e mesmo sem dispor de armas, os cidadãos começaram a invadir as lojas para saquear. Agora imagine se todo mundo tivesse direito a portar uma arma, isso teria acontecido? Sem sombra de dúvidas seria mais difícil, pois o cidadão pensaria duas vezes antes de agir, por medo de tomar um tiro. Mas o que impediria que os mesmos cidadãos, que uniram-se para invadir as lojas desarmados, não se uniriam para entrar em guerra com os comerciantes da mesma maneira, estabelecendo um pânico ainda maior na cidade, e violando as propriedades com um grau de violência ainda maior, e com mais derramamento de sangue.
As regras criadas pelo Estado, o direito que impõe que determinada conduta é errada e pune o exercício da mesma, e assegura o cidadão contra sanções arbitrarias do Estado (ou de sanções extremas dos próprios indivíduos, caso vivessem sob a autotutela), é nada mais, nada menos que um “dever-ser”.
O Direito que determina comportamentos que não podem ser tomados em uma sociedade para que sejam mantidas a ordem e a harmonia social, o conhecido Direito Penal (o que é fiscalizado pela polícia). Agora imagine uma sociedade onde não haja essas regras do “dever-ser”, em que todas as relações fossem baseadas pelo Direito Natural (o que juridicamente não tem validade alguma, e o que é pregado pelo anarcocapitalismo), você acredita que essa sociedade estaria livre da desordem? Um indivíduo poderia até mesmo tirar a vida doutro sem que nada o ocorresse, pois não haveriam normas positivas determinando que aquilo é errado.
Como diria o Defensor Público do Estado do Amazonas e Professor de Direito Penal Helom Nunes, o indivíduo tende a não deixar de agir por consequência natural, moral ou ética, pois o senso de punir também é uma essência natural humana, e se alguém agride você ou viola sua propriedade, toda ação gera uma reação, é natural que você queira punir a pessoa pelo desagrado que o fez, e o indivíduo muitas vezes deixa de tomar determinada conduta exatamente porque se o fizer baseado no senso de punição, o Direito Penal (dever-ser) vai tirar o seu bem jurídico mais preciso: A liberdade, como bem disse Gregorio Marañon “sem liberdade, a vida não vale apena de ser vivida”.
O anarcocapitalismo seria perfeito, se não dependesse da obstante premissa de que os indivíduos são guiados por uma ética universal, o que nem de longe é verdade, pois nenhum indivíduo é igual ao outro. Logo, nenhum senso ético é igual, sendo impossível atingir uma universalidade.
A ciência acerca disso define três questionamentos basilares que devem ser respondidos para saber se determinada atitude é ética: (1) Quero? (2) Devo? (3) Posso? Segundo o professor Mário Sérgio Cortella: “você tem paz de espírito quando aquilo que você quer é ao mesmo tempo aquilo que você pode e o que você deve”. Portanto, se não houver uma regra para determinar aquilo que você não deve ou não pode fazer, para assegurar a paz e a ordem, você será livre para fazer qualquer coisa e nenhuma sanção lhe será aplicada, o que é a essência do problema, pois abre margem para comportamentos bárbaros.
Por fim, o que pode-se tirar desses ocorridos, é que o Estado é minimamente necessário, na sua função essencial de garantir a paz e a ordem na sociedade. Sendo sua completa ausência, um evento trágico, com consequências seríssimas como se pode acompanhar nos últimos dias em Vitória, onde estava instalado um estado do pânico e do medo, as pessoas não conseguiam ir trabalhar, o transporte público não circulou, o comércio não abriu, e muitas pessoas sequer ousaram sair de casa, pois não se tinha a sensação de segurança, de poder andar na rua sem que nada o ocorresse.
E isso tem menos a ver com ética ou moral do que se imagina, pois esses são conceitos relativos construídos a partir de uma convivência social harmônica, tem mais a ver com a natureza humana, o estado natural, a ação humana quando as pessoas acreditam não estarem sendo tuteladas pelo direito, quando acreditam poder fazer qualquer coisa sem nenhuma consequência, reafirmando assim, que o indivíduo não é naturalmente bom, e que o conceito de “cidadão de bem” é apenas mais uma invenção hipócrita, pois todos estão passíveis de cometer crimes quando acreditam que não serão punidos.
Por Mariana Diniz Lion
Coordenador Estadual do SFLB em São Paulo
Muitas pessoas têm feito essa pergunta aos libertários ou pior, compartilhado essa frase em forma de afirmação, sem levar em consideração os pressupostos que o libertarianismo e o anarcocapitalismo usam para legitimar sua existência.
Em primeiro lugar, cabe analisar que todos os políticos do estado do Espírito Santo ainda estão lá, "trabalhando", recebendo o dinheiro dos pagadores de impostos e assistindo ao caos generalizado de dentro de seus luxuosos aposentos funcionais, guardados por seguranças bem armados. Ou seja: não há anarquia de fato. Eles ainda têm, institucionalmente, controle geopolítico.
Isso só nos prova que, na prática, o governo é mais ineficiente do que eficiente - diante de coerção externa é incapaz de agir.
Em segundo lugar, é importante compreender como a segurança pública delegada ao monopólio estatal tende ao fracasso e como este fato é amplamente condenado pela teoria libertária - e não endossado, como a comparação entre o caso real e o anarcocapitalismo dá a entender.
Todo libertário acredita que a monopolização da segurança das pessoas é o pior formato de produção de segurança. Afinal, como questiona o autor francês Gustave de Molinari, se o livre mercado deve ofertar todos outros bens e serviços, por que não também os serviços de segurança?
A possibilidade de uma contratação livre e desburocratizada de segurança privada, através de ofertas no mercado, permitiria que diversos estabelecimentos, comércios, instituições e casas tivessem sua propriedade protegida não apenas em ocasiões de exceção, como o presente momento, mas também em ocasiões em que a segurança pública estatal se demonstrasse insuficiente ou ausente por qualquer outro motivo.
Além disso, devemos sempre falar no direito natural de autodefesa - todo indivíduo deveria ter o direito de proteger, armado, a si e à sua propriedade, evitando se tornar refém de indivíduos mal-intencionados, violentos e coercitivos.
Se as pessoas comuns estivessem armadas, é muito provável que teríamos algum conflito de letalidade nas cidades onde há greve da força policial - mas não se pode dizer que tais conflitos causariam mais danos à população ou à vida alheia do que os ataques sem resposta estão causando neste período caótico.
Muito provavelmente, bandidos e saqueadores entenderiam o risco de encontrar resistência durante suas incursões e a possibilidade de verem a impunidade tornando-se apenas uma chance ao invés de uma certeza, refreando suas inclinações agressivas.
E oferecemos ao estado não apenas o monopólio da segurança, mas também o monopólio do sentimento de ordem.
No modelo democrático atual, a responsabilidade pela "ordem social" é integralmente delegada ao estado, passível de colapso e que torna os indivíduos vulneráveis à sensação de impotência, pânico e desespero.
No anarcocapitalismo, cada indivíduo exerce naturalmente um papel na organização voluntária das interações, sendo unicamente responsável e estando, portanto, protegido no caso de uma quebra dessa ordem por qualquer externalidade, como uma eventual greve das empresas privadas de segurança.
Mais do que "faroeste, justiça com as próprias mãos, guerra civil", como definiriam os defensores do desarmamento - a possibilidade de armar-se é legítima defesa da propriedade, da vida e da estruturação descentralizada da segurança. É moral e, atualmente, necessária.
As reivindicações da polícia capixaba não são incabíveis - embora trabalhando como braço do estado, devemos considerar que diante dos pressupostos da democracia (sistema diferente do anarcocapitalismo e, para os libertários, amplamente falho) tais forças são, tanto quanto os indivíduos, abandonadas pelo governo em suas necessidades básicas.
Além da falta de condições de trabalho, é evidente que não é uma grande parte da população que se submete a trabalhar para o monopólio de segurança - ou seja, sempre teremos uma força policial relativamente pequena, mal administrada e mal preparada, que por uma questão matemática nunca será capaz de cobrir integralmente toda a demanda por suas ações.
A situação precária do policiamento nacional reforça a teoria libertária e sua aplicabilidade, fazendo com que muitos se dêem conta do imenso erro que é delegar integralmente sua segurança pessoal a uma pequena parcela que convulsiona diariamente para tentar proteger um grupo de pessoas muito maior do que seu próprio contingente, sem a ajuda dos burocratas, sem estrutura ou reconhecimento.
Tanto as forças policiais quanto a população são desprezadas pelo estado e obrigadas a assistir sua necessidade vital de segurança transformada em uma piada de mau gosto.
Embora muitas pessoas defendam que a segurança não deve deixar de ser papel do estado, devem ao menos admitir que é extremamente imoral tanto com as forças policiais quanto com os indivíduos não permitir que as pessoas se defendam, se armem ou contratem serviços que o façam.
Sabemos que, nos moldes atuais, a quebra do monopólio da segurança e a legitimação da defesa pessoal através do armamento individual já seriam um imenso avanço na questão.
Mas, aos desavisados, fica a conclusão: em um modelo anarcocapitalista de fato, não há monopólio governamental e todas as pessoas são livres para se defender através do desempenho individual, contratação de empresas, cotação de concorrentes em caso de insatisfação com o serviço prestado e liberdade para fazê-lo da forma que preferir.
A ausência destas condições transforma o atual Espírito Santo em caos, desastre, tragédia anunciada, fracasso. Mas nunca - JAMAIS - em uma experimentação do anarcocapitalismo na prática.