Luan Sperandio | 21 de fevereiro, 2016
Joel Pinheiro, 31, é economista formado pelo Insper e mestre em filosofia pela USP. Além de ser um dos pioneiros do movimento libertário brasileiro. Nesta entrevista, o palestrante e escritor conta um pouco suas opiniões acerca da reforma política, do espaço de liberais na academia e na política.
Students For Liberty Brasil: Você se define politicamente como um “libertário”. Qual a diferença entre liberal, libertário e anarco-capitalista?
Joel Pinheiro: Não me prendo muito a rótulos, não. Aceito ser chamado de liberal, libertário, anarco-capitalista (jamais usaria este, mas aceito), direita. Porque uma coisa é o seu mundo ideal, sua utopia, e outra a mudança que você propõe aqui e agora. De maneira geral, esses termos (especialmente anarco-capitalista) se referem a como seria o seu mundo ideal, apenas. E existem vários caminhos possíveis para se chegar a ele, então diz muito pouco sobre o que você propõe aqui para o mundo real.
Mas vamos definir os termos. Procurarei um equilíbrio entre o sentido que têm para mim e o que eles costumam significar para outras pessoas.
Liberal – alguém que defende medidas que aumentem a liberdade do indivíduo de escolher sobre sua própria vida. Essa defesa pode se dar tanto baseada em alguma concepção de direitos naturais ou valor do indivíduo quanto na crença de que, com mais liberdade, a sociedade funcionará melhor – de maneira mais eficiente – para todos ou para uma maioria dos indivíduos. Em geral, essas medidas estão mais focadas no plano econômico e aceitam como dadas as instituições políticas do nosso mundo tal como as conhecemos.
Libertário – o libertário é um liberal que dá um passo além e cuja defesa da liberdade individual o leva a questionar inclusive os elementos mais básicos da ordem social e da moral convencional. O papel do Estado de monopolista da segurança e legislação, as formas de representação política (se é que ela é possível), etc. Nesse sentido, ele é revolucionário. É o sentido que o termo tem para mim.
Alternativamente, significa os adeptos da filosofia libertária dos direitos naturais tal como formulada, por exemplo, por Rothbard. Defendem um principio ético (o Princípio da Não-Iniciação de Agressão, ou PNA) como absoluto e derivam dele diversas conclusões, dentre as quais a inadmissibilidade da coerção e, portanto, do Estado.
Por fim, tem um sentido mais comum no Brasil que é o de pessoa que quer quebrar com normais sociais e morais da sociedade, sejam estatais ou privadas.
Anarco-capitalista – quem defende uma ordem social sem Estado e com propriedade privada.
SFLB: Como você se tornou libertário?
JP: Cresci num lar bastante liberal e com muito interesse em pensamento econômico. Por isso, nunca fui coletivista. Mas meu primeiro contato com liberalismo radical e libertarianismo se deu na faculdade, mas não graças à faculdade. Conheci, no início de 2005, no Orkut, a comunidade Austrian Economics (que eu já tinha ouvido falar e tinha vaga noção de que eram liberais), e partindo dela, o site do Instituto Mises americano, que se tornou leitura diária minha.
Cheguei a me convencer do PNA (e da justificativa a prior dele dada por Hoppe), sem, contudo, chegar a exigir a anarquia imediata, porque afinal podia ser que não funcionasse. Mas o pensador que mais me influenciou desse meio foi o Mises, que tem uma clareza e um rigor de pensamento muito grande.
Hoje penso que a mudança para um mundo de indivíduos mais livres se dá em duas frentes: dentro da política e fora dela. Dentro da política, não há espaço para purismos ou para defesa de utopias; é preciso sempre se mover na direção da melhora, e ponto. Fora dela, há o esforço em criar uma cultura mais livre (em que indivíduos sejam menos acuados, por exemplo, pela opinião pública) e a possibilidade de experimentar formas de organização social totalmente desvinculadas do modelo estatal: criação de comunidades com leis próprias, interação e resoluções de conflito na internet, fomentar uma maior descentralização do poder, criar sociedades inteiramente novas (por exemplo, em alto-mar, como alguns bilionários pretendem), etc.
SFLB: Há espaço na academia brasileira para o libertarianismo?
JP: Há. Cada vez mais a esquerda perde o monopólio que um dia teve. Mas a pessoa que se dispõe a ser acadêmica deve ter, antes de tudo, o compromisso com a qualidade de sua própria obra, e não com algum projeto político que ela gostaria de ver no mundo. Propaganda travestida de ciência vai logo embora; o que é sólido e está além das modas da época fica.
SFLB: Você defende que a reforma eleitoral foi uma espécie de proteção dos políticos e partidos tradicionais para se defenderem de uma renovação. Por que isso aconteceu?
JP: A reforma que ocorreu até agora foi basicamente o fim do financiamento empresarial de partidos. Assim, os partidos ficaram mais dependentes do fundo partidário, que perpetua as desigualdades já existentes, premiando quem é grande e dando pouco a quem é pequeno.
Novas propostas, como a de cláusula de barreira, podem ser boas: só ganha fundo partidário e tempo de TV o partido que tiver um mínimo de votos. Isso acaba com essas dezenas de partidos nanicos que existem só para mamar nas tetas do Estado. Além disso, abre caminho para a simplificação do processo de criação de partidos, que hoje é caríssimo e impede qualquer iniciativa pequeno de entrar no jogo.
Mas se a cláusula de barreira for aprovada junto com outra proposta, a da proibição de doações de pessoas físicas a partidos, teremos o pior dos mundos: só partidos grandes ganham dinheiro do Estado, e quem é pequeno não terá nenhuma fonte legal de financiamento. É o fim da possibilidade de renovação.
Uma medida que eu defendo também é a candidatura avulsa, o que quebraria o poder que os partidos têm sobre nossas eleições.
SFLB: Alguns políticos liberais foram eleitos em 2016, inclusive do partido em que você atuou por um ano e meio. Sendo minoria, quanto eles conseguirão influenciar na legislatura?
JP: Cada vez mais a relação direta entre representante e eleitorado tem falado alto. Uma população mobilizada pressiona os representantes para se aliar à mudança que o povo quer. Assim, os representantes liberais no Legislativo podem ser uma voz de anúncio dessa mudança bem como uma ponte que informa a população sobre os absurdos cotidianos que se passam em nossas Câmaras e da loucura que é ter um corpo de dezenas de pessoas constantemente pensando em novas leis.
SFLB: O fusionismo é uma ferramenta para massificar as ideias da liberdade ou um entrave para o crescimento delas?
JP: Uniões e desuniões só fazem sentido em contextos práticos: uma eleição, um movimento pra mudar algo, etc. Fora disso, de projetos específicos, temos apenas a imensa variabilidade de crenças e opiniões: tem liberais que querem liberar todas as drogas, e outros que – por uma série de motivos – discordam. O que é “se juntar” a conservadores ou a esquerdistas?
Pragmaticamente, faz sentido dialogar com todo mundo e buscar aliados sempre que possível, além de tentar persuadir os outros de que nossas ideias são boas para o país. O oposto disso é afirmar a própria superioridade moral e afastar todo mundo que não repete sua ortodoxia. É o que os movimentos identitários têm feito, e por isso são cada ados pela população.
SFLB: Recentemente você anunciou sua saída do partido NOVO. O que podemos esperar de Joel Pinheiro em 2017?
JP: Estou trabalhando num livro sobre Meritocracia, que naturalmente vai tocar em muitas questões econômicas e políticas.
Esta entrevista não necessariamente representa a opinião do Students For Liberty Brasil (SFLB). O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected].