Bernardo Vidigal | 23 de junho, 2017
Em meados do século XIX, Londres passava por um problema muito contemporâneo aos nossos: engarrafamentos. Talvez um ainda pior, engarrafamentos de cavalos. A cidade, que com o revolução industrial quase dobrara de tamanho entre 1800 e 1850, tinha diversas novas oportunidades proporcionadas pela vida urbana. Londres havia se tornado o maior centro urbano da época, com 300 mil trabalhadores entrando e saindo de trem da cidade todos os dias. As ferrovias do país já haviam se desenvolvido com a competição entre companhias de trem (privadas, diga-se de passagem), a partir de 1825.
No início do século, todavia, o parlamento britânico havia passado uma lei que proibira a construção de estações ferroviárias no centro da capital da Inglaterra, ficando as companhias obrigadas a construí-las apenas na periferia. As pessoas, consequentemente, sem qualquer outra forma de se deslocar até, a partir ou entre as estações, lotavam as ruas da cidade se locomovendo em carroças. A solução veio já em 1853, quando Charles Pierson convenceu as autoridades inglesas a lhe darem uma permissão para que ele se empreendesse em construir a primeira linha de trem subterrânea do mundo.
Até aquele ano, as quatro principais estações ferroviárias de Londres, por causa da proibição de construção no centro, ficavam separadas. Depois da permissão do parlamento, Pierson conseguiu convencer alguns investidores que sua ideia daria certo e traria resultados. Ele queria conectar, por debaixo da terra, as quatro estações. Uma empresa, chamada de Metropolitan Railway, foi então criada, e a primeira linha subterrânea de trem do mundo foi construída, logo abaixo da rua.
Na época, para a construção desse metrô primitivo, se usou uma técnica chamada cut and cover, onde se cavava uma trincheira, se instalavam os trilhos e depois se cobria a linha, ou seja, criando todo tipo de perturbação na área da construção, já que se arrancava a rua e tudo que havia pelos lados. Cerca de 2000 pessoas tiveram que se mudar durante o processo que conectou as estações. Para os trens que entrariam em operação na linha, foi escolhida a opção mais barata: Marias Fumaça. Algumas locomotivas especiais foram desenhadas, na tentativa de apreender o vapor, ao invés de solta-lo.
Em uma noite de 1863, o primeiro trem em uma linha subterrânea do mundo, começou seu trajeto, pela primeira vez. O trem segurava o vapor durante o percurso nos túneis e o liberava nas estações. Imagine o calor. Mesmo com essa operação rudimentar, milhares de pessoas passaram a usar o sistema todos os dias, com trens passando a cada 10 minutos já nessa fase inicial de operação (A titulo de comparação, o de Belo Horizonte, que nem subterrâneo é, opera, hoje, com intervalos de 4 a 10 minutos).
Com o passar dos anos, o empreendedorismo alimentado por dinheiro e vapor levou a construção de mais e mais linhas, inclusive, levando a uma joint-venture entre linhas concorrentes, a Metropolitan e a District Railways, que permitiu a criação de uma linha em anel ao redor do centro de Londres, a Circle Line, que existe até hoje.
Até essa época, entretanto, todas as linhas eram instaladas em cut and cover, mas em 1890 um novo equipamento passou a permitir a construção de linhas mais profundas. Havia sido inventada uma tuneladora manual, por assim dizer. A máquina inovadora permitia cavar túneis e instalar, ao mesmo tempo, a cobertura de metal que os mantinha abertos.
No mesmo ano, a City and South London Railways usou pela primeira vez o sistema, construindo um túnel, abaixo do Tâmisa. Nesse ambiente de pouquíssima regulação, os túneis profundos permitiram o surgimento de mais empresas e mais linhas e com a invenção da eletricidade e o consequente abandono do vapor, alguns anos mais tarde, o metrô de Londres foi ganhando os formatos que tem atualmente.
Em 1933 o sistema foi unificado. O parlamento inglês criou uma companhia chamada London Transport, de propriedade pública (estatal e privada) e financiamento próprio. A empresa juntou todas as linhas, monopolizou o mercado e criou a marca do Underground, usada até hoje, além do design de mapa de metrô, copiado ao redor do mundo. Nos seus primeiros anos ela expandiu o sistema com linhas de superfície, mas o processo foi interrompido pela Segunda Guerra e a estatização da empresa.
Depois da nacionalização e com a popularização dos carros, o uso do metrô começou a cair. Até 1982, o recorde de usuários atingidos antes da estatização não seria batido. Em 1987, os anos de descaso levariam a um incêndio em King’s Cross, que matou 31 pessoas. Depois do desastre, o governo passou a atuar mais diretamente na administração do sistema e hoje cerca de 50% de seu financiamento se dá por dinheiro do pagador de impostos britânico.
O caso londrino exemplifica o que há de melhor no livre mercado. Existia um problema (ou uma oportunidade, dependendo do seu ponto de vista) e entes privados movidos talvez pelo lucro, ou simplesmente por vontade de ajudar (não importa o incentivo), conseguiram encontrar uma solução para ele. Com competição, criou-se tendências de expansão e barateamento do serviço, além disso, mesmo antes da intervenção que unificou o sistema, ele já dava sinais que poderia se uniformizar, visto que a Circle Line se formou com uma joint venture entre empresas rivais.
Essa tendência de uniformização resolveria, organicamente, duas grandes desvantagens do modelo londrino de até 1933, que eram: a necessidade de se comprar passagens diferentes para andar em linhas distintas; e a não conexão entre estações próximas, porém de linhas concorrentes. Em ambos os casos a necessidade criada pelo mercado de se solucionar estas questões provavelmente forçaria as empresas a criarem acordos para melhorar o sistema.
Uma outra questão seria a possível monopolização do metrô por uma empresa privada. O underground, entretanto, ainda estaria em competição com os taxis, ônibus, carros (lembrando que sua ascensão, junto da estatização, levou a uma queda no uso do metrô entre 1945 e 1982) ou qualquer outro método de transporte -até o Uber nos dias atuais-, o que garantiria concorrência, mesmo que uma só empresa fosse dona de todos os trilhos.
O exemplo levantado, portanto, de tão útil, parece absurdo. Hoje se discute as causas do trânsito das cidades e se joga a culpa no carro, nas empresas, no egoísmo ou na falta de planejamento. Se os urbanistas passassem menos tempo pensando em formas de impor suas soluções sobre as pessoas e mais tempo pensando em soluções de livre mercado, talvez já fosse possível deslocar eficientemente nas grandes cidades do Brasil.
Bernardo Vidigal é Online Education & Training Manager Students For Liberty Brasil.
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