Ivanildo Santos Terceiro | 16 de dezembro, 2017
Em segundos, José Carlos viu o seu esforço de quatro anos ser posto em um caminhão da prefeitura e levado para um depósito que irá deixá-lo para sempre longe do seu carrinho de churros. Cabisbaixo, ele se encolhe no ônibus de volta para casa ao perceber que dois homens fazem um arrastão.
Ainda com um sorriso no rosto por ter escapado de mais um assalto, José senta no banco do bar e pede um copo de cerveja para comemorar sua sobrevivência no mundo urbano. Acomodado, pega o celular, aproveita os últimos cinquenta centavos do seu pré-pago no 3G entrando no facebook, vendo um vídeo de uma moça da sua cor falando para uns alunos brancos que eles os devem “até a alma”. José ri. Com ou sem cotas, o único espaço que ele já visitou e poderia estar na USP era o da portaria – seu emprego anterior que não exigia ensino médio e foi responsável por lhe permitir o dinheiro necessário para o carrinho.
José Carlos obviamente não existe. Mas sua história é um retrato fiel de como vive um cidadão negro médio em nosso país – e como o movimento negro é completamente desconexo da sua realidade.
Poliana Kamalu e seus amigos representam uma minoria dos negros que completam o ensino médio antes dos dezenove anos e estudaram em escolas particulares, sobretudo as que custam mais de 2 mil reais por mês. A grande verdade é que o atual movimento negro não tem a mínima ideia do que boa parte da população negra precisa e quer, e não se incomoda de usar a marca do louvável antirracismo para avançarem em pautas estranhas às principais vítimas do racismo.
Não é de se espantar que sua bandeira mais alardeada seja uma política que tem como beneficiados a mesma minoria entre a população negra – isto é, cotas em universidades públicas e para aqueles que não tiveram tantos problemas na vida e podem se dedicar ao estudo para passar em concursos públicos (como o resto dos concurseiros).
Enquanto isso, os negros que formam mais da metade dos empreendedores do Brasil (boa parte deles por pura falta de opção) se não estão completamente esquecidos por este movimento, os veem apoiando coisas como mais impostos e burocracia para novos empreendimentos. Ou o revoltante silêncio, e até mesmo oposição, do movimento negro à pautas como o direito ao armamento civil (afinal, desde a experiência dos EUA, sabemos que é vital que negros possam se armar e defender). Pautas que poderiam frear o dito“genocídio da juventude negra“.
Nós precisamos de um novo movimento negro, um que compreenda que uma instituição marcada pela disputa de poder e violência contra nosso povo não pode nos servir. Que entenda que rechear os espaços de poder com negros não resolve o problema, que pelo contrário, entenda que espaços de poder são o problema. Um movimento negro que não seja racista.
O negro brasileiro, como qualquer outro indivíduo, só quer que o governo lhe dê sossego. Está cansado de ter que pagar sua própria universidade, e pagar para Poliana Kamalu brincar de revolução nas universidades. De ser proibido pela polícia de ter acesso aos meios que possibilitem a sua legítima defesa. De ser achincalhado pelas forças do governo sempre que inicia um pequeno empreendimento. Algo que figuras como Poliana dão de ombros.
Se Poliana quer tanto ver José Carlos nos bancos da sua universidade, ela poderia começar por algo estupidamente simples: pare de fingir que o representa e entenda que é parte do problema.
Ivanildo Santos Terceiro é Diretor de Comunicações do Students For Liberty Brasil.
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