Tulio Andrade | 11 de março de 2017
Foto por Artur Luiz
É comum ouvir em nosso cotidiano, até mesmo em em eventos e debates acadêmicos, a máxima “você é liberal, se preocupa mais com economia que com o bem-estar social”.
O bordão parte da premissa de que a economia de mercado é um elemento estático, à parte das relações sociais, em que uma elite dominante dirige quase que deliberadamente os processos, configurando a realidade ao seu bel prazer. Não obstante, quem o repete, parece crer que os governantes possuem poderes mágicos, pois desconsideram princípios e situação econômicas ao falar sobre a consecução de programas sociais, como se realizar tudo que é prometido fosse uma mera questão de boa vontade política.
Os adeptos desse pensamento acreditam que legisladores não devem fazer considerações de custo e muito menos o julgador que aplica as leis. As leis, para quem encara o pensamento jurídico desta forma, estariam acima dos princípios econômicos.
A adesão a este a este raciocínio enviesado é impulsionada muitas vezes pelo maniqueismo político-ideológico que se alastra culturalmente, tentando dividir o mundo entre os “defensores” dos menos favorecidos e aqueles que procuram preservar os “privilégios” da classe dominante.
A ideia de que ser liberal ou simpatizante do livre mercado em termos estruturais (em seus componentes primordiais como a propriedade privada, a moeda, a proteção jurídica aos contratos, etc.) automaticamente torna indivíduo “defensor” (termo bastante confuso, pois em tese, o objetivo das ciências políticas e sociais é analisar e dar tratamento a determinado problema ou circunstância, sem necessariamente ser “contra” ou ”favor” de algo).
Mais que adotar rótulos, não se deve ignorar toda a complexidade inerente às relações humanas. Muitos que partem das premissas expostas acima ignoram o fato de que o próprio liberalismo, em sua gênese, poderia perfeitamente ser colocado como uma força “progressista”, pois nasceu e tomou força se opondo ao “Ancién Regime” e o status quo então vigente. E vale lembrar que a proposta de “renda mínima” foi formulado por liberais.
A necessidade de se atentar às regras do jogo em uma economia, preservando-se um ambiente institucional que propicie a livre iniciativa dos agentes e suas conseguintes externalidades positivas, não é, de forma alguma, incompatível com ações afirmativas que garantam o mínimo e necessário para aqueles que estão à margem do mercado. Assim como endossa o austríaco Hayek:
“O sistema capitalista que dela (a descoberta de normas abstratas de conduta) se originou certamente não satisfez por completo os ideais do liberalismo, porque se desenvolveu num tempo em que legisladores e governos não tinham uma compreensão real do modus operandi do mercado e, em grande parte, a despeito das políticas efetivamente empreendidas. Em consequência, o capitalismo, tal como existe hoje, apresenta inegavelmente muitas falhas sanáveis, que é dever de uma política liberal inteligente corrigir. Desde que tenha alcançado certo nível de prosperidade, um sistema baseado nas forças ordenadoras espontâneas do mercado não é também, de maneira nenhuma, incompatível com o fornecimento pelo governo, à margem do mercado, de alguma garantia contra a pobreza extrema. Mas a tentativa de assegurar a cada pessoa o que se julga que merece, impondo a todos um sistema de fins concretos comuns em direção ao qual seus esforços são dirigidos pela autoridade, como pretende fazer o socialismo, representaria um retrocesso que nos privaria da utilização do conhecimento e das aspirações de milhões de homens, e, com isso, das vantagens de uma civilização livre.”
Vê-se que o problema não está em adotar medidas assistenciais, mas sim nos meios de consecução dessas medidas, que de modo irresponsável atrapalha ainda mais aqueles que dizem ajudar. Milton Friedman, em seu livro Capitalismo e Liberdade, ressalta que – devido a externalidades – o governo poderia estabelecer um piso mínimo, isto é, programas governamentais que garantam uma vida digna para quem se encontra abaixo da linha da pobreza. O arcabouço teórico de Friedman, para o espanto de muitos, foi o que inspirou a consecução de muitos programas como o Bolsa-Família em todo o mundo.
Friedman, assim como Hayek, enxergava distorções causadas pelo estado que levavam indivíduos à situação de extrema-pobreza. Assim, para o economista, era importante garantir um sustento para àqueles que se encontram à margem do mercado, promovendo-os a condição de consumidores, sem que isso gerasse alterações substanciais no sistema de preços, já que uma descoordenação abrupta entre oferta e demanda poderia prejudicar os próprios beneficiários. A ideia é permitir que os indivíduos possam gerir o auxílio seguindo seus próprios parâmetros de escolha, dando o dinheiro diretamente aos necessitados, e estes poderiam definir suas prioridades e atender os seus desejos.
Programas similares são os chamados sistemas de vouchers, que visam oferecer a quem não tem condições financeiras o acesso a serviços como educação. O modelo em que se estruturam os programas mencionados segue uma das principais perspectivas liberais: a tomada de decisões descentralizada, que supre a necessidade dos consumidores à margem da pobreza e retira o fardo da máquina pública na sua incapacidade de gerenciar serviços e produção, passando a atividade apara a iniciativa privada, que tem por objetivo uma melhor alocação de recursos.
O mercado é um processo dinâmico, tentar estrutura-lo de forma a atender as demandas e o melhoramento do padrão de vida geral da população, sem ignorar o modus operandi inato à sua própria existência, não é de forma alguma defender “privilégios” de camadas em melhor posição na pirâmide social.
Muito pelo contrário, é na verdade desejar que qualquer pessoa possa ingressar em atividades produtivas, sem que o governo as impeça por meio de medidas protecionistas, que privilegiem megacorporações e empresários selecionados, vulgo “amigos do rei”. Afinal, não há nada mais revoltante que ver ricaços como Eike Batista sendo subsidiados com o dinheiro da massa operária e pequenos empreendedores, via BNDES, enquanto o senhor que vende churros pelas esquinas precisa dar explicações aos fiscais do poder público.
Infelizmente, projetos forjados em fantasias igualitárias, que são à base do oportunismo político, como a taxação de grandes fortunas, parecem se manifestar como a solução mágica para todos os nossos problemas, embora ignorem completamente as externalidades e efeitos indiretos que medidas dessa natureza possam culminar. Sendo assim, é importantíssimo contextualizar cada realidade dentro de seu estado de coisas antes de aplicar determinadas práticas político-econômicas atentando-se a fatores como carga tributária, estabilidade monetária e creditícia, situação fiscal do país, renda per capta, nível de desemprego, estruturas burocráticas empresariais, etc.
Uma política de redistribuição de renda jamais deve ignorar estas questões. E ao citar carga tributária, que no Brasil seu alcance acomete principalmente os mais pobres, uma passagem escrita por Milton Friedman é extremamente valiosa:
“Existem apenas quatro maneiras de você poder gastar seu dinheiro. Você pode gastá-lo com você mesmo. Quando você faz isso, e você pode realmente ver o que está fazendo com ele, você tenta usá-lo da melhor forma possível. Mas você pode gastar seu dinheiro com outra pessoa. Por exemplo, eu compro um presente de aniversário para alguém. Bem, eu não estou preocupado com a eficácia satisfatória do presente, mas estou atento quanto ao seu custo. Então, eu posso gastar o dinheiro alheio comigo mesmo. E se eu gasto o dinheiro alheio comigo mesmo, então eu tenho certeza de que terei um bom almoço! Finalmente, eu posso gastar o dinheiro de alguém com outro alguém. E se eu gasto o dinheiro de alguém com outro alguém, eu não me importo com o custo e não me importo com o que conseguirei satisfazer. E isso é o governo. E isso é cerca de 40% do PIB.’’
Vive-se um momento histórico que parece ter a emoção como guia de qualquer análise sobre o que ou qual medida deve ser adotada no “combate” à pobreza, porém pouco ou nada se fala sobre a geração de riqueza, esta imprescindível, já que em sua ausência não há o que se distribuir.
Políticos buscam o poder para satisfazer seus próprios interesses e acreditar em declarações messiânicas e na boa vontade deliberada destes indivíduos é ceder à utópica ilusão. Qualquer política econômica deve ser avaliada de acordo com suas consequências práticas, pois é muito fácil apresentar boas intenções e prometer soluções ilusórias em discursos.
Tulio Andrade é coordenador local do Students For Liberty Brasil (SFLB).
Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] ou [email protected].