As três mulheres que fundaram o movimento libertário moderno

As três mulheres que fundaram o movimento libertário moderno

Letícia Gilberd | 08 de março de 2017

O início do século XX foi um período conturbado para os Estados Unidos. O país enfrentou a I Guerra Mundial, ameaças autoritárias, e o Crash da Bolsa em 29.

O ideal de liberdade americano encontrava-se apagado. Jornalistas e artistas afirmavam que o capitalismo era cruel e ultrapassado. Uma onda de pessimismo afetava a todos, inclusive os liberais da época.

Então, uma canadense, uma norte-americana e uma russa trouxeram renovação, otimismo e um novo olhar contra o coletivismo e em favor de uma sociedade livre.

Isabel Paterson, crítica literária, Rose Wilder Lane, coautora de livros infantis e colunista em revistas, e Ayn Rand, filosofa e romancista bestseller, são três escritoras libertárias que inspiraram uma geração inteira.

Sobre elas…

O CATO Institute declarou que sem as três o instituto não existiria. O então congressista e empresário Howard Buffett, pai do famoso investidor Warren Buffet, afirmou que elas têm talento que supera a da maioria dos homens que eu conheço no país.” William F. Buckley Jr. as definiu como as três fúrias do libertarianismo. O jornalista liberal John Chamberlain disse:

Se isso tivesse sido deixado para homens medrosos provavelmente nada teria acontecido… Na verdade foram três mulheres [Isabel] Paterson, Rose Wilder Lane e Ayn Rand – que, com olhares desprezíveis para a comunidade empresarial masculina, decidiram reavivar a fé em uma filosofia americana mais antiga. Não havia nenhum economista entre elas. E nenhuma delas era Ph.D.

E realmente nenhuma delas vieram do academicismo universitário, suas histórias de vida remontam um passado semelhante e cheio de adversidades: Lane nasceu numa parte rural de Dakota em 1886, Paterson numa ilha isolada no Canadá também em 1886, e Alissa Rosenbaum, mais tarde Ayn Rand, nasceu em 1905 na Rússia. As três começaram precocemente a trabalhar com a palavra produzindo bibliografias, roteiros, críticas e afins. E em suas vidas privadas cultivaram grande independência financeira e pessoal.

As três eram amigas e durante a década de 40 trocaram correspondências. Por coincidência, seus livros foram lançados no mesmo ano (1943).

Paterson escreveu “O Deus da Máquina” (The God of the Machine), obra em que relaciona princípios de engenharia e física com a história humana, bem como com o liberalismo.

“Na organização social, o homem é um dínamo em sua capacidade produtiva. O governo é um aparelho final e um beco sem saída em relação à energia que usa.” – Isabel Paterson – O Deus da Máquina

Lane, por sua vez, escreveu “A Descoberta da Liberdade” (The Discovery of Freedom) cuja introdução afirma que o livro tem o propósito de mostrar a evolução do pensamento sobre a natureza do ser humano e especificamente analisar a individualidade da consciência.

“Só você é responsável por cada ato seu, ninguém mais pode ser. Esta é a natureza da energia humana, os indivíduos a geram e a controlam. Cada ser humano, por sua natureza, é livre.” – Rose Lane – A Descoberta da Liberdade

Rand lançou em 1943 “A Nascente” (The Fountainhead). Um livro anti-coletivista que visa difundir a ideia de que o homem não é uma vítima e que ele deve almejar e lutar pelo seu sucesso. Isso se dá através do protagonista Howard Roark, um jovem talentoso que largou a faculdade de arquitetura antes de se formar e se recusa a seguir os padrões ultrapassados da sociedade que rejeitam e invejam seu potencial.

“Dividir e conquistar, primeiro. Mas depois, unir e governar (…) Ensinamos os homens a unirem-se. Isso cria um pescoço pronto para uma coleira. Nós encontramos a palavra mágica: coletivismo (…) um país dedicado à proposição de que o homem não tem direitos, de que o Estado é tudo. O indivíduo visto como mau; a raça, como Deus.” – Ayn Rand – A Nascente

Apesar de todas cultivarem uma aversão à tirania estatal, nenhuma delas se definia como libertária ou se filiou a qualquer partido. Paterson, por exemplo, trocou correspondências os fundadores da revista conservadora National Review Russell Kirk e William F. Buckley. Por outro lado, Rand, em 1964, numa entrevista à Playboy, afirmou que a National Review era “a pior e mais perigosa revista nos EUA“.

Quanto à Rose Wilder, temos que seu neto de consideração, Roger Lea MacBride, foi candidato à presidência pelo Partido Libertário americano em 1976. MacBride diz ter sido muito influenciado pelas ideias de Lane. Ela, por sua vez, no final da vida estava mais engajada no movimento conservador do que no movimento libertário.

No entanto, mais do que definir em qual parte do espectro ideológico elas estavam mais próximas, é justo dizer que suas ideias foram fundamentais na construção do movimento libertário atual.

E foi num intercâmbio de conhecimento, tutoria, educação, conexão pessoal e muitas cartas que as três ajudaram seus correspondentes a sentir que não eram defensoras da liberdade isolados, e sim participantes de uma comunidade intelectual ampla.

Na década 40, as três criaram praticamente sozinhas uma sub-cultura libertária no qual incentivavam a criação de organizações e davam sugestões de publicações. Pouco a pouco, uma rede anti-New Deal acabou se erguendo em torno delas.

O New Deal foi um conjunto de medidas que visavam a recuperação dos EUA e a criação de uma rede de seguridade social durante Grande Depressão. As três rejeitaram não apenas o reformismo do New Deal, como também a maioria das outras intervenções na economia.

Cada uma com sua particularidade compreendia que o governo não faz nada de forma eficiente, exceto tirar a liberdade (Lane), gastar energia (Paterson), e esmagar a genialidade das pessoas (Rand).

Sua crítica anti-estatista as opôs aos empresários que se aproveitavam do New Deal, fazendo com que inúmeras portas na sua vida profissional fossem fechadas. Também a isso se deve o apelido de fúrias, elas eram fiéis aos seus ideais.

Todavia, o apelido realmente se consagrou quando o liberalismo europeu chegou aos EUA. Rand, por exemplo, criticou intensamente Hayek por suas ressalvas a ideia de um estado mínimo. Lane disse, em correspondência à Rand, que Hayek era um “verdadeiro veneno”. Quase como se enxergassem uma clivagem entre os liberais americanos puristas e os europeus moderados.

A sub-cultura libertária que elas tinham erguido procurou valorizar o argumento e a eloquência, no lugar do gênero ou do currículo acadêmico. No entanto, no pós-Segunda Guerra o libertarianismo começou a desenvolver um quadro institucional mais robusto. Grupos de estudos e Institutos que se formaram a partir de sua influência direta começam a preferir as ideias de economistas renomados e com títulos acadêmicos. Dado que estas pessoas poderia levar a filosofia do livre mercado para dentro das faculdades e universidades. Paradoxalmente, a profissionalização do A libertário fechou o espaço que Lane, Paterson, e Rand haviam reivindicado.

Com o passar dos anos, as três se distanciaram. Seja por discussões sobre religião, diferenças quanto a função do estado, e até a tendência de algumas ao conservadorismo. Assim, cada uma teve um final de vida diferente: após sua demissão do New York Herald Tribune em 1949, Paterson cheia de orgulho e perdida num mar de concorrência no meio liberal entrou em ostracismo intelectual. Lane, ao contrário de Paterson, estabeleceu-se confortavelmente nos bastidores do conservadorismo americano, fazendo revisões de livros e aconselhando pessoas influentes.

Por fim, Rand foi a mais bem sucedida na construção de um legado, tanto por ser mais nova e viver mais por tempo (21 anos a mais que Paterson e 14 a mais que Lane), mas também por, diferente das outras, conseguir criar um movimento próprio, através da sua filosofia objetivista. Seus romances também garantiram notório reconhecimento, caindo nas graças do público e dos meios artísticos da época.

Conhecer a história de Lane, Paterson e Rand nos ensina muito sobre o protagonismo feminino. Em pleno século XX, e num meio repleto de homens (como é até hoje), as três ignoraram as amarras que eram vinculadas ao seu gênero e mostraram ao mundo suas incríveis habilidades intelectuais, criando uma geração inteira de defensores da liberdades.

Essas três libertárias são exemplos de empoderamento para todos. Seja para homens preconceituosos que duvidam da capacidade intelectual feminina, seja para nós, mulheres, que duvidamos das nossas próprias e incríveis capacidades.

Bibliografia

Burns, J. The Three “Furies” of Libertarianism: Rose Wilder Lane, Isabel Paterson, and Ayn Rand. The Journal of American History. Dezembro. 2015. Disponível em: <https://history.stanford.edu/sites/default/files/publications/journal_of_american_history-2015-burns-746-74_1_0.pdf>


Leticia Gilberd é coordenadora local do Students For Liberty Brasil (SFLB).

Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] e/ou [email protected]

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