Adriano Gianturco: “A minoria marxista faz seleção ex-ante e patrulhamento ex-post”

Adriano Gianturco: “A minoria marxista faz seleção ex-ante e patrulhamento ex-post”

Luan Sperandio | 11 de abril, 2017

Adriano Gianturco é professor do Ibmec-MG, doutor em Teoria Política e Econômica pela Universidade de Genova e mestre em Ciência Política pela Universidade de Turim. É por muitos considerado o principal estudioso da ciência política do movimento libertário brasileiro. Nesta entrevista, ele nos conta um pouco de suas análises sobre a vida acadêmica, suas pesquisas e reflexões sobre o momento que temos vivido.

SFLB: Seguir a carreira acadêmica vale a pena?

Adriano Gianturco: Sim, para mim sim. Muito. É um trabalho muito interessante. Ser pago para estudar e pesquisar é um luxo. Em troca disso damos aula e afinal até isso tem seus lados positivos. É uma profissão intelectualmente desafiante, deixa relativamente bastante tempo (respeito a outras profissões), e é uma profissão que se pode facilmente exercer no mundo inteiro. O mercado de trabalho é global. Isso é um seguro profissional importantíssimo.

SFLB: Quais as principais diferenças na vida acadêmica na Itália para o Brasil?

AG: No tocante a carreira nas universidades estatais (de lá) é similar, mas o ambiente intelectual é completamente diferente. Aqui há muito menos pluralismo e diversidade, o clima é totalmente politizado e até partidarizado. A notória minoria marxista faz seleção ex-ante e patrulhamento ex-post. É similar ao clima dos anos ‘70 na Itália com Cesare Battisti, Antonio Negri, o movimento marxista e os terroristas das Brigadas Vermelhas. Respeito a isso, aqui é até mais pacífico. A Itália superou isso e aqui eles vão e já estão perdendo a hegemonia cultural também, são muito fracos no plano intelectual. O marxismo já foi cientificamente refutado por Weber, Mises, Bohm-Bawerk, Kelsen, Popper etc. um século atrás.

No que toca ao (mercado) privado (onde eu trabalho) as diferenças de carreira são muitas, pois aqui há a figura do “horista” e aí acaba se focando em profissionais que exercem a profissão (advogado, engenheiro etc) e dão aula como complemento. Os alunos destas instituições também acabam querendo aulas mais práticas. Isso na Itália não existe, é tudo muito teórico e acadêmico, longe do mundo real.

Aqui há muitas universidades privadas muito ruins e muitas pessoas que se iludem estudando lá por vários anos. Além disso, há 3 grandes universidades privadas e boas como o IBMEC, como na Itália há a Bocconi em Milano e a Luiss em Roma (onde eu trabalhava).

SFLB: Você já afirmou que “a Escola Austríaca jamais entrará na academia em peso”. Por que tamanho ceticismo?

AG: Por motivos políticos e acadêmicos. Politicamente as implicações da EA são muito extremistas no tocante ao estatismo imperante (considerado moderado) e aí incomoda os poderosos. Um economista austríaco dificilmente vai ganhar alguma consultoria ou algum ministério!

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Do ponto de vista acadêmico, é difícil publicar. Em parte porque a mesma EA é pouco aplicada, foca mais na teoria geral e universal e aí é difícil adicionar alguma coisa ao que os grandes do passado já falaram. Em parte porque o sistema de publicação de impact factor, de peer review, de pontuação das revistas etc. incentiva pesquisas diferentes dos focos austríacos. É relativamente rápido fazer um experimento de laboratório de experimental economics, pegar um detalhe de uma grande “issue” e testar com um modelo matemático pré-fabricado.

É muito mais demorado refletir sobre os máximos sistemas e agregar alguma coisa a Aristóteles, Locke, Mises. Alguns papers podem até ser feitos com vários colegas e depois escrever vários juntos, enquanto um artigo teórico é inerentemente pessoal. A mesma preferência para papers em lugar de livros gera isso. Claro, na George Mason conseguem conjugar isso bastante bem.

É a diferença entre a ciência normal e a ciência anormal, os austríacos estão interessados nas caudas da Curva de Gauss, nas premissas epistemológicas básicas e nas consequências últimas, no Cisne Negro. Há pouco espaço para isso. Nem sempre o mundo científico coincide com o mundo acadêmico.

SFLB: Um dos frutos de seu doutorado foi a obra “O empreendedorismo de Israel Kizner“. Por que decidiu estudar as contribuições dele? Qual a principal colaborações dele para o estudo do empreendedorismo e da função empreendedora ?

AG: Estudei isso porque achava fosse a coisa que pudesse me dar mais oportunidades profissionais concretas. Olha quanto era desesperado!

Ele fala que a atividade empreendedora é basicamente “notar e explorar uma oportunidade de lucro ainda não descoberta”. Desta forma, o empreendedor acaba coordenando os diversos planos individuais e gerando uma maior coordenação de mercado e levando para um estado dinâmico de maior bem-estar, para um tendencial equilíbrio que nunca se alcança. É uma visão fortemente positiva da função empreendedora. Hoje se estuda produção, consumo, investimento, poupança, mas não se estuda empreendedorismo (no sentido econômico e não como auto-ajuda!). Os economistas antigos, até Cantillon, estudavam o empreendedorismo, mas depois de Smith esta figura sumiu deixando espaço só a Marx (com sua visão totalmente errada) e a Schumpeter (com uma visão menos errada). Daqui derivam os preconceitos de parte da opinião publica.

SFLB: Você fala que é generalista por, após compreender determinadas questões “perder o interesse” pela temática e buscar novas respostas para outras indagações. Exemplo disso foi sua dedicação no mestrado pela obra de Bruno Leoni e a pesquisa sobre as contribuições de Israel Kizner em seu doutorado. Sendo assim, quais questões tem lhe intrigado atualmente a ponto de você demandar tempo as pesquisando?

AG: Ciência Política. Acredito que o problema no fundo seja político e não econômico. Na própria vida privada todo mundo tem incentivo a administrar bem os recursos, até desenvolvimentistas, keynesianos e marxistas administram bem… mas quando passam a administrar o dinheiro alheio… É uma questão de interesses e incentivos políticos mais que de ignorância econômica. Se fosse ignorância econômica fariam dano só a eles mesmos.

Hoje me interessa estudar o poder, os impostos, ferro e fogo, a idade média, feudalismo, patrimonialismo, federalismo. O sistema econômico é consequência de um certo asseto político, sistemas pequenos e mais descentralizados produzem concorrência institucional, menor intervenção, mais crescimento econômico; sistemas grandes e mais concentrados produzem incentivos perversos, pilhagem estatal, rentseeking, baixo crescimento.

O problema é político, o liberalismo está certo não porque a economia livre funciona relativamente, mas porque a política funciona muito pior.

SFLB: Houve um enorme crescimento do movimento libertário brasileiro nos últimos três anos. Mas a massificação dele também fez o nível médio de conhecimento dos adeptos ao libertarianismo diminuir. Qual sua percepção sobre isso?

AG: Sim verdade, mas é normal e inevitável. A alternativa é “pequeno e de qualidade” ou “grande e de menor qualidade”, a alternativa “grande e de qualidade” não existe nos movimentos sociais. Claro, o perigo é que cresça demais e muito rapidamente e se aprofunde pouco. Eu tento ajudar a aprofundar, a embasar o raciocínio dos ativistas, a dar uma pausa na pressa de ir para a ação e mandar estudar.

SFLB: Isso pode provocar uma espécie de “bloqueio” ao desincentivar a entrada de novos membros?

AG: Pelo contrário! É agora que entram mais pessoas, as pessoas entram quando vira “cool”, é uma questão estética. Precisa alcançar o tipping point depois do qual vai crescer sozinho.

SFLB: Ao se referir ao Ibmec você diz viver em uma “ilha feliz”. Quais as razões por detrás dessa metáfora e como devemos criar outras “ilhas felizes” no Brasil (se é que isso é possível)?

AG: Sim, o IBMEC é incrível. É uma escola de negócios que consegue conjugar ciência e profissionalização, qualidade de ensino e lucro. Não é fácil. Acontece porque têm pessoas muito boas, meus colegas e meus chefes são de altíssimo nível, do ponto de vista acadêmico, pessoal e de gestão. Isso aconteceu por uma série de fatores, até este é um processo a mão invisível.

Precisa emular modelos de sucessos, mas depois inovar, selecionar as pessoas melhores da área (afinal são sempre os indivíduos que fazem a diferença), ficar o mais longe possível da regulamentação estatal, descentralizar, pedir feedback dos clientes, criar algo novo, não entregar exatamente o que as pessoas querem, mas mostrar-lhes que há algo melhor e superior, surpreendê-los, fazê-los se apaixonar e aí seguirão e agradecerão. Precisa ser pioneiro, quem estagna morre.


Esta entrevista com Adriano Gianturco não necessariamente representa a opinião do Students For Liberty Brasil (SFLB). O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected].

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