Anamaria Camargo, do projeto Educação sem Estado: Para o Estado, o aluno é um meio, não um fim.

Anamaria Camargo, do projeto Educação sem Estado: Para o Estado, o aluno é um meio, não um fim.

Luan Sperandio | 17 de julho, 2017

Anamaria Camargo, Mestre em Educação com foco em eLearning pela Universidade de Hull, é diretora do Instituto Liberdade e Justiça. Ela é líder do projeto Educação Sem Estado, que tem como objetivo alertar a sociedade sobre os problemas do ensino quando controlado pelo Estado e propor soluções. Nesta entrevista ela fala sobre o livro que será lançado “Educar é libertar” e de suas análises sobre ENEM, a recente Reforma da Educação, obrigatoriedade de alfabetização, entre outros assuntos.

SFLB : Como foi estruturado o movimento Educação Sem Estado e suas principais ações até aqui?

AC: É parte da missão do ILJ divulgar as ideias de liberdade por meio de propostas academicamente embasadas e concretas que possam levar à promoção de políticas públicas. Ano passado focamos no tema Transporte e mobilidade urbana e este ano estamos focando em Educação. Sabendo que se trata de um tema espinhoso, carregado de ideologia, achamos que merecia um foco mais concentrado. Daí surgiu o Movimento Educação sem Estado. Temos dois líderes nacionais — eu e Giuliano Miotto, presidente do ILJ — uma parceria importante com o ILMG e coordenadores voluntários em diversas cidades. A comunicação e divulgação das nossas ideias se dá por intermédio do site  e da nossa página no Facebook.

Nossa mais importante ação este ano será o lançamento em outubro do livro Educar é Libertar. Neste livro, diversos autores vão tratar de questões da Educação, como o intervencionismo estatal e suas consequências (Anamaria Camargo), o nosso modelo de Universidade Pública, que não funciona, é caro e não atende de forma efetiva aos mais pobres (Daniel Duque), alternativas de financiamento (Adolfo Sachsida), homeschooling (Alexandre Moreira e Luan Sperandio), o empreendedorismo gerando soluções para a educação (Adriano Paranaíba), limitações legais a inovações (Giuliano Miotto e Thiago Miranda), a formação de docentes (Patthy Silva e Aline Borges), parcerias público-privadas na Educação (Rodrigo Gabriel Moisés) e uma proposta para um livre mercado educacional no Brasil (Anamaria Camargo). Fizemos inclusive um crowdfunding para este livro.

SFLB : Como você enxerga a situação educacional brasileira?

AC: A maneira como o Estado vê a Educação é muito diferente da do estudante, do cidadão. Para o Estado, Educação é escolarização; logo, o que importa são as escolas. É para as escolas públicas e para a máquina burocrática delas dependente que vai a maior parte dos recursos, mesmo sabendo que um único modelo escolar jamais vai atender à enorme variedade de crianças e adolescentes, com diferentes necessidades e aspirações. Frequentemente, alternativas como vouchers escolares e homeschooling, por exemplo, são vistos como ameaças — ainda que o discurso oficial não seja este — porque servem ao estudante, não à escola. Para o Estado, o aluno não é o fim, mas o meio para financiar o sistema do qual dependem burocratas e sindicatos. Por esta razão, para eles é essencial que o aluno seja mantido na escola pública e que seja “treinado” para defender e replicar esse sistema, em nome da manutenção de um monopólio educacional estatal. O controle estatal se dá inclusive na Educação privada, extremamente regulamentada e forçada a seguir parâmetros, impedindo a formação de um livre mercado educacional.

Respondendo à sua pergunta, é assim que enxergo a situação educacional brasileira porque é esta visão sobre a Educação que nos é imposta. O pior é que temos que admitir que o Estado não tem falhado. Considerando que o objetivo final deles é a garantia do monopólio, da prevalência da burocracia escolar sobre a Educação e do Estado sobre o indivíduo, podemos dizer, sem dúvida, que tudo está saindo exatamente como planejado. Temos milhares de burocratas e um ministério exclusivamente dedicados a empregar nesses propósitos mais de 5% do nosso PIB.

Seus objetivos, exatamente por terem sido plenamente atingidos, têm se traduzido em crianças e jovens de baixo poder aquisitivo sem acesso a uma Educação de qualidade, um enorme número de analfabetos funcionais, resultados pífios em exames internacionais, conflitos ideológicos no âmbito escolar, produção acadêmico-científica nacional irrelevante, falta de mão de obra qualificada, e estudantes e suas famílias à mercê de escolas que não lhes prestam contas pelos maus serviços oferecidos. Tudo isto só vai mudar quando tivermos um livre mercado educacional.

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SFLB : A Reforma na Educação aprovada recentemente melhorará a situação na sua opinião?

AC: Qualquer tentativa na direção de permitir escolhas para os alunos e suas famílias é bem-vinda, mas infelizmente, não haverá grandes mudanças porque não atingem o cerne do problema: a gigantesca intervenção estatal. Nada do que foi proposto afetará a falta de liberdade dos provedores educacionais de definirem seus próprios currículos, de se diversificarem e se especializarem em nichos de demandas diferentes. Um pesquisador americano, Andrew Coulson, compilou e analisou mais de 150 comparações estatísticas de 65 pesquisas, cobrindo diversos objetivos educacionais em mais de 20 países ricos e pobres. Sua conclusão mostrou inequivocamente que, seja em nações ricas ou pobres, os sistemas educacionais mais baseados em um livre mercado são os mais eficientes, os que  produzem melhores resultados acadêmicos, os que criam menos conflitos sociais e os que melhor respondem às necessidades de estudantes e suas famílias. Seu estudo mostra que quanto maior a liberdade no mercado educacional, mais significativas são as diferenças em quaisquer dos parâmetros pesquisados; quanto maior a interferência estatal, piores os resultados. Logo, para que o Brasil consiga reverter este quadro, “reformas” cosméticas como as propostas não trarão mudanças significativas. O que nos falta é um livre mercado educacional que privilegie a Educação que tenha como fim o estudante, o cidadão.

A reforma de que precisamos deve trazer a oferta de opções as mais diversas, por intermédio da desagregação de cursos e diversificação de provedores educacionais. Educação por meio de aulas tradicionais, sim, mas também por meio de aulas/estágio em empresas, cursos de instrumentos musicais em orquestras, esportes em academias especializadas, homeschooling, elearning, etc. Universidades como Harvard e MIT já oferecem diversos cursos online, por que não incentivar que universidades brasileiras façam o mesmo? Educação não é sinônimo de escolarização.

SFLB : Qual sua opinião sobre o Escola Sem Partido e sua relação com o projeto Educação Sem Estado?

AC: Uma das vantagens de um livre mercado educacional é que a liberdade de escolha diminui os conflitos ideológicos que tendem a ocorrer quando famílias são obrigadas a sujeitar seus filhos ao ensino de valores com os quais não concordam e ainda por cima pagar por ele. É o que ocorre no Brasil. O currículo do ENEM e a formação dos professores, pelos quais o Estado é responsável, refletem o viés ideológico do Governo de turno — qualquer que seja ele. E, claramente, tem havido abusos, o que fez surgir movimentos como o Escola Sem Partido, que visa coibir o ensino de apenas uma versão da história — a versão estatal.

Ana Maria Camargo, do Educação sem Estado

Ana Maria Camargo, do Educação sem Estado

Se por um lado parece justo que os alunos tenham acesso a todos os ângulos dos fatos estudados, educar de maneira completamente neutra é extremamente improvável. Mesmo que o professor tenha convicções ideológicas distintas, frequentemente, ele é levado a favorecer a visão estatal para que seus alunos tenham bons resultados no exame nacional. Neste cenário, o risco de criminalização do professor é alto e abusos são difíceis de provar a não ser que se crie um ambiente policialesco que, definitivamente, não deve haver no âmbito escolar.

O Escola sem Partido tem sido extremamente importante por ter trazido à sociedade a discussão urgente sobre essa doutrinação imposta pelo Estado e por ter nos proporcionado a oportunidade de responder ao problema, inclusive com propostas diferentes. A posição do movimento Educação sem Estado é a de questionar por que uma escola não poderia, ou efetivamente não deveria, expressar sua ideologia por meio de abordagens e materiais didáticos se esta também refletir os valores das famílias. Em um livre mercado educacional, não haveria conflitos ideológicos na escola porque a diversidade de oferta permitiria que as famílias pudessem escolher inclusive uma “escola com partido”. Desta forma, a doutrinação ideológica nas escolas, assim como já acontece com a doutrinação religiosa, seria antes uma escolha e não uma imposição. É isto que diversos estudos empíricos vêm mostrando e é por isto que lutamos.

SFLB : Qual sua opinião sobre o ENEM?

AC: O ENEM é uma das amarras que o Estado tem sobre a Educação no Brasil. E uma das mais fortes porque ele direciona o currículo de todas as escolas, sejam públicas ou privadas. Enquanto não houver concorrentes reais para ele, não haverá liberdade curricular ou ideológica nas escolas e seguiremos sofrendo todas as consequências que a ausência de um livre mercado educacional tem nos causado.

O que o movimento Educação sem Estado defende não é o fim do ENEM, mas o fim do monopólio do MEC sobre decisões educacionais. Que universidades públicas possam ter seus próprios exames de admissão, seus próprios critérios de entrada. Ou que empresas privadas especializadas na elaboração de exames concorram entre si e ofereçam testes mais ou menos exigentes, com focos diversos e os disponibilizem para as universidades.

SFLB : Um comum argumento para justificar a padronização curricular é o fato de ser necessário haver uma base cultural por sermos brasileiros. Como você enxerga isso?

AC : Trata-se de uma falácia. Um livre mercado educacional formado a partir das demandas diretas dos brasileiros certamente fortaleceria muito mais nossa base cultural. Por que um sistema único planejado centralmente por uma casta de burocratas teria o pendor de refletir e traduzir melhor a nossa variedade cultural? Não faz nenhum sentido. Quanto mais próximos estiverem os que decidem daqueles que se submeterão às decisões, mais legítimas e autênticas essas decisões serão.

O MEC argumenta que as decisões são compartilhadas, “construídas”. Por exemplo, na formação da Base Comum Curricular para a Educação Fundamental, o MEC informa que houve consulta popular e que milhões de sugestões foram dados. Vamos imaginar que uma boa parte dessas sugestões tenham efetivamente vindo de pessoas comuns, pais e mães de família — o que eu duvido porque essas pessoas têm que trabalhar. Mesmo que tivesse sido assim, o texto produzido é submetido à aprovação final do Estado que pode simplesmente vetar o que não quer e incluir o que quer, independentemente do que foi acordado. Aliás, foi isto precisamente que o MEC fez recentemente.

A versão da BNCC apresentada pelos educadores para aprovação de última versão tinha os termos “orientação sexual” e “gênero”. A instância decisória final do MEC não gostou e, para enorme desgosto dos educadores envolvidos, simplesmente retirou os termos. Não estou defendendo que deveriam ser mantidos os termos; apenas enfatizando que, no fim das contas, por mais contribuições “populares” que haja, quem tem a palavra final sobre o texto que será imposto a todos é o Estado. Isto não tem nada a ver com preservar nossa base cultural.

SFLB : Você acha que a alfabetização deveria ser obrigatória?

AC : Há pesquisas — E. G. West foi um pioneiro nesta área — que na Inglaterra e nos Estados Unidos, a grande maioria da população era alfabetizada muito antes de haver educação compulsória nesses países. A igreja e as famílias mais ricas se encarregavam de alfabetizar os mais pobres.

Não sei se há pesquisas neste sentido aqui no Brasil. Em tese, acredito que deveria caber às famílias decidir sobre quando e como alfabetizar seus filhos e, ainda que não tenha visto pesquisas, acredito que a maioria de nós brasileiros, ricos ou pobres, reconheceria a importância da alfabetização e buscaria meios para isto mesmo que não fôssemos obrigados. No entanto, reconhecendo a existência de externalidades positivas que a Educação oferece e a urgência de fazer o país avançar socialmente e economicamente, não vejo esta intervenção estatal na área educacional como particularmente nociva. Nocivo é o Estado estender sua sanha intervencionista na nossa Educação a ponto de impedir que tenhamos um livre mercado educacional e, como uma de suas consequências, nos impor uma “educação” tão ruim que apenas 22% dos que estão para concluir ou concluíram a educação superior são proficientemente alfabetizados.


Esta entrevista não necessariamente representa a opinião do Students For Liberty Brasil (SFLB). O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected]

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