Luan Sperandio | 25 de julho, 2017
Imagine que você esteja gravemente doente. Já existe um determinado medicamento que garante maior bem-estar ao longo de seu tratamento, e milhares de pessoas no mundo, com a mesma doença que você, já o utilizam. No entanto, você não pode ter acesso a ele para se cuidar melhor.
Tudo porque esse medicamento ainda não foi aprovado pela agência reguladora competente e, por isso, não está disponível no mercado brasileiro. Mais: provavelmente, quando for liberado, você já não estará aqui para fazer uso dele, diante da lentidão para sua aprovação.
Essa situação absurda é vivida por milhares de brasileiros. O processo de validação e incorporação de novos medicamentos no Brasil é muito lento. Há casos em que a espera para que inovações e avanços sejam permitidos legalmente e, aí sim, introduzidos em benefício dos pacientes leva mais de uma década.
Para exemplificar, o medicamento Lenalidomida, utilizado para tratamento quimioterápico para leucemia e outros tipos de câncer, é permitido em dezenas de países com base em trabalhos publicados ainda na década passada e que comprovaram sua efetividade. Contudo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) indeferiu o registro da droga alegando entender não haver estudos suficientes sobre sua eficácia.
Entre as funções da autarquia está garantir a segurança e a eficácia dos medicamentos disponíveis para os brasileiros, porém sua execução nessa tarefa é bem questionável.
Infelizmente, as restrições impostas equivocadamente pela Anvisa vão muito além da Lenalidomida: ela barra o registro de vários outros medicamentos já aprovados nos Estados Unidos e na Europa e que poderiam salvar vidas de pacientes que sofrem de diversas doenças. Apenas entre 2012 e 2014, a agência brasileira negou o registro de quatro medicamentos que auxiliariam no tratamento a cânceres.
Além do alto custo da pesquisa, a burocracia imposta pela agência reguladora é um dos principais entraves para a inovação na pesquisa médica e farmacêutica no Brasil. A causa do primeiro fator se dá pelos custos da legislação trabalhista, bem como pelo sistema tributário, que dificultam e eventualmente inviabilizam a pesquisa privada.
Já no que toca à burocracia, a lentidão para aprovar novos medicamentos afasta investimentos de indústrias farmacêuticas, que deixam de fazer aportes financeiros em ensaios clínicos no Brasil. Para aprovar um ensaio clínico no país demora, em média, 270 dias, entretanto não é raro demorar mais de 480 dias. Em comparação, nos Estados Unidos, Canadá e Coreia do Sul e outros países da América Latina a espera é de 30 a 90 dias.
Uma das justificativas para tamanha morosidade é o fato de a Anvisa ser a agência sanitária com um dos maiores escopos regulatórios do mundo: são analisados mais de um milhão de processos por ano por apenas 2.200 servidores.
Uma solução para isso seria a flexibilização da aprovação dos medicamentos. Nos Estados Unidos, a legislação permite que drogas em estudos de fase II (a fase que avalia eficácia da medicação) tenham registro preliminar. A justificativa é simples: eventual demora na aprovação de medicamentos pode custar a vida de pacientes. Entrementes, essa lógica não norteia as regulamentações da Anvisa.
Uma proposição simples seria a aprovação automática de medicamentos aprovados pela Food and Drugs Agency (FDA) e European Medicines Agency (EMA), que são as agências reguladoras dos Estados Unidos e da União Europeia. Elas possuem regulamentações bastante criteriosas, todavia, são mais céleres na liberação de licenças.
A autarquia brasileira continuaria avaliando e aprovando novos medicamentos, contudo os remédios poderiam ser disponibilizados de imediato durante o processo de validação. Assim, a Anvisa examinaria as drogas e colocaria avisos sobre elas, evidenciando as que fossem mais arriscadas, a depender das classificações obtidas nas avaliações prévias. Certamente, empresas e pacientes mais cautelosos esperariam pela aprovação da agência reguladora, ao passo que outros analisariam o custo de oportunidade delas e, diante de suas condições clínicas e orientações de seus médicos, poderiam decidir e optar – ou não – por iniciar o tratamento com medicamentos de vanguarda. Essa solução simples daria segurança e permitiria que nenhum paciente fosse impedido de adquirir um medicamento, se assim o desejasse, evitando, por conseguinte, a esdrúxula situação explicitada alhures.
Diante desse cenário, fica a indagação: como interpretar o fato de mais de 80 países considerarem um medicamento eficaz e o Brasil não? O professor da UFRJ e presidente da Associação Brasileira de Hematologia, hemoterapia e Terapia Celular (ABHH) Angelo Maiolino dá a dica: muitas vezes, a negativa da Anvisa para a entrada de medicamentos é realizada sem consistência científica alguma.
A justificativa para a demora e muitas vezes não aprovação de medicamentos pela agência reguladora se dá, também, segundo o diretor clínico da Oncoguia, Rafael Kaliks, pelos altos custos de alguns medicamentos e sua implicância no orçamento do governo. Ou seja, em vez de ater-se apenas a analisar a segurança e a eficácia de medicamentos, ao não autorizar registros de medicamento, a Anvisa é utilizada como ferramenta de contenção de despesas pelo Estado brasileiro.
Uma das razões é que, se aprovado o medicamento, o sistema de saúde brasileiro, que é socializado e, por isso, enfrenta grave crise com o fenômeno da judicialização da saúde, sofrerá pressões judiciais para custear esses novos procedimentos, considerados dispendiosos.
Ademais, com a negativa de registro pela agência reguladora, o Estado brasileiro evita o desconforto de aprovar um medicamento caro que seria utilizado apenas pelo terço dos brasileiros que possuem plano de saúde. Assim, o Estado evita o desconforto social de haver um paciente do SUS com tratamento diferente de um paciente da saúde suplementar ao impedir quem poderia arcar com o tratamento de ter acesso a ele.
Destarte, há a configuração da denominada death panel dentro das políticas públicas de saúde no Brasil: ao eventualmente não liberarem medicamentos de forma arbitrária, burocratas acabam escolhendo indiretamente quem é digno de ter acesso a cuidados de saúde e quem não é.
Os medicamentos disponíveis, portanto, não são aqueles aos quais os brasileiros pensam que deveriam ter acesso, mas sim os que especialistas da Anvisa acham que devemos ter, sopesando, inclusive, a despesa que o governo teria caso liberassem os medicamentos.
Apenas sobre câncer, na última década, 1,5 milhões de brasileiros morreram com a doença, ao passo que se estima que mais de meio milhão de brasileiros sejam diagnosticados anualmente com algum tipo de câncer, com uma taxa de mortalidade de 40%. Dezenas de outras doenças poderiam ser melhor tratadas se os medicamentos fossem liberados de forma mais célere. Além disso, com a desburocratização para a realização de testes clínicos, teríamos um impulso nas pesquisas, barateando a busca por inovações farmacêuticas.
A despeito desse lamentável diagnóstico, os números não parecem sensibilizar os burocratas e legisladores brasileiros a fim de promoverem reformas institucionais que tornem mais célere a criação e liberação de novos medicamentos no Brasil. Diante disso, torça para que a situação descrita no primeiro parágrafo não aconteça com você.
Luan Sperandio é coordenador local sênior do Students For Liberty Brasil.
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