Isabella Lima | 27 de março de 2017
Meu nome é Isabella Lima, tenho 18 anos, sou coordenadora local do Students For Liberty Brasil em Natal/RN e comecei a cursar Ciências Econômicas em 2014. Confesso que quando era mais nova tinha sono nas minhas aulas de história e tudo que aprendi foi decorando. Decorei ano em que as pessoas nasceram, morreram e fizeram seus feitos. Nunca me foi ensinada a importância de refletir os fatos que a mim eram apresentados, nunca os questionava, pelo menos foi assim durante o meu ensino fundamental.
Em determinado momento, chegou aos meus ouvidos a seguinte notícia: Acabou o papel higiênico na Venezuela (e não há aqui nenhuma ironia), ninguém me explicou porque tinha acabado o papel higiênico e naquela idade eu via isso como um atentado à integridade física. COMO ELES VIVERIAM SEM O PAPEL? Eu nunca cheguei a entender isso.
Pouco tempo depois, os supermercados só vendiam com a apresentação de uma carteira de identidade venezuelana e as pessoas tinham limites em relação a quantidade de leite que podiam adquirir. E aqui mais uma vez me enchi de dúvidas, por que os soldados nos supermercados não deixavam os brasileiros comprarem leite? E descobri que não havia leite o suficiente para todos, mas aceitei que deveria ser uma situação passageira. Muita gente passou fome e cheguei a ouvir piadas de que na Venezuela, traficante de cocaína vendia açúcar pela dificuldade de compra do produto. E inclusive nessa época, minha avó, que vivia de aluguéis, teve tomados os três imóveis que eram os responsáveis pelo seu sustento.
Aos 15/16 anos apesar de não tomar nenhum partidarismo e me mostrar muito leiga a respeito de tanto, eu sabia com uma extrema convicção que não poderia ser justificada com nenhum argumento que eu na época fosse capaz de formular que o socialismo era ruim. Eu vivi boa parte da minha vida sem entender absolutamente nada do que acontecia ali do meu lado. Eu ouvi coisas do tipo “não se vende mais Coca-Cola na Venezuela” e quando questionava, recebia respostas tão inocentes quanto minhas perguntas “ah, o Chavéz não gosta dos Estados Unidos”.
Em uma época, não lembro ao certo o ano, vi de perto a promulgação das leis de preços máximos – a qual boa parte dos brasileiros defendia, afinal só tínhamos a lucrar comprando barato dos Venezuelanos. A moeda caía numa velocidade surpreendente e eu já conseguia com 1,00 real comprar 7 ou 8 bolívares. Os comerciantes eram impedidos de ajustar seus preços em decorrência da queda e aqueles que o fizessem, tinham suas portas fechadas à força pelo governo por tempo indeterminado – vi minhas lojas favoritas serem fechadas pela recusa dos donos em obedecer às ordens governamentais.
Com 16/17 anos eu já não morava mais em Roraima, me mudei para o Rio Grande do Norte e na escola em que frequentava eu tinha dois professores de história, um lecionava história geral e o outro história do Brasil. Ambos tinham posicionamentos a favor de governos populistas. Acho que eles têm uma grande parcela de culpa pelo desenvolvimento do meu senso crítico, ao conhecê-los eu tive tudo em que acreditava posto à prova.
Chávez morreu e eu já residia em Natal e meus maravilhosos professores nada tendenciosos ao lecionar suas matérias, decidiram como prova da neutralidade política reservar em suas respectivas aulas um espaço de tempo ao tão adorado e grandíssimo presidente Hugo-amigo-do-povo. E eu não conseguia aceitar aquilo, eu vi a fome, eu vi as pessoas na rua, eu vi que aquilo que eles rosnavam não passava de um bando de ilusões. Eu tentei argumentar com um deles, vamos frisar o verbo “tentar”. Logo fui rebatida com argumentos de que Chávez não agradava aos ricos e empresários que oprimiam uma grande maioria da população, que Chávez tinha mudado a cara da Venezuela, que Chávez tinha distribuído comida, que Chávez isso, que Chávez aquilo e por fim, desisti.
Em toda a minha vida escolar nunca ouvi falar uma palavra sobre o que era inflação, ouvia que ela havia sido controlada em determinado momento ou então que ela estava alta demais. Eu sabia que inflação basicamente significava que as coisas ficavam caras. Demorei a entender o porquê de não podermos imprimir dinheiro e pagar as contas. Nunca ouvi uma palavra sobre o que era o liberalismo. Nada.
Terminei a escola e comecei a cursar Relações Internacionais numa universidade particular no próprio estado, lá conheci um rapaz que me apresentou a Mises, me apresentou à economia e me mostrou o mundo de uma maneira diferente de tudo que eu já havia visto. Tudo parecia fazer sentido, todas as informações desconexas que recolhi ao longo da vida se juntaram e deixaram de ser um emaranhado louco de informações. No meu aniversário de 18 anos de idade eu estava apresentando um trabalho sobre o intervencionismo baseado no livro As Seis Lições de Ludwig von Mises e eu finalmente sabia explicar pra qualquer pessoa que me perguntasse o porquê de ter acabado o papel higiênico na Venezuela.
Eu nasci em Roraima e com laços familiares bem fortes no país vizinho, meu pai foi criado na Venezuela, minha avó paterna nascida e também criada na Venezuela. Na primeira vez em que pus os meus pés na Venezuela, eu tinha cerca de 10 anos de idade e com R$1,00 eu conseguia comprar 1 bolívar, era o que aprendi a chamar de 1 pra 1, aprendi também que eu deveria trocar os reais por bolívares nas cidades de fronteira porque se deixasse pra trocar dentro de casas de câmbio, as taxas seriam bem divergentes.
Isabella Lima é coordenadora local do Students For Liberty Brasil (SFLB).
Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] e [email protected]