O nosso modelo de estado-nação pode estar no limite?

O nosso modelo de estado-nação pode estar no limite?

Monique Brown | 24 de abril, 2018

É interessante notar a abstratividade de dois pontos muito importantes na nossa vida: o dinheiro e o estado.

O dinheiro não é o motivo deste texto, mas o Estado sim. Se partirmos do princípio que a definição do Estado é uma organização política dentro de um território limitado, ela mesmo chega a ser um conceito conflitante com o conceito de nação: que é uma comunidade estável, historicamente constituída por vontade própria de um agregado de indivíduos, com base num território, numa língua, e com aspirações materiais e espirituais comuns.

Daí podemos notar que o Estado é uma caracterização tão incompreendida e abstrata que mesmo organizações internacionais como as Nações Unidas se confundem e produzem um equívoco semântico. O seu nome correto deveria ser Organizações das Uniões Interestatais, e não união de nações.

Talvez este nome tenha sido escolhido para soar de uma forma mais poética. Ou fazer eu, você e qualquer outra pessoa ser convencido que a soberania estatal, princípio fundamental que rege o Direito Internacional Público, tem a capacidade por si própria de produzir ou manter a paz entre as nações. A história tem nos mostrado que não é bem assim.

Você vive dentro de um estado – não de uma nação

No aniversário passado da minha filha de 6 anos compramos para ela um globo terrestre interativo. O globo tem uma caneta, que ao ser tocada em várias partes dos globos, ativa o mecanismo de interação. É então possível saber nomes dos países e suas capitais, suas determinadas moedas, sua densidade demográfica ao dia de hoje, língua falada e hino nacional.  Meu filho mais novo de 2 anos, ama brincar com o globo e escutar os hinos nacionais.

No modo interativo, antes de ativar o hino nacional, a gravação fala o nome do país em questão.  Então, quando trabalho de casa, e meu filho brinca com o globo, quase sempre escuto a grande maioria de hinos existentes no mundo, e em repetição!  E é impressionante observar a similaridade melódica. O hino deveria ser a face musical do país, mas a semelhança entre eles, chega a nos confundir.

Qualquer observador começa a se perguntar, “mas espera aí, este é o hino da China, mas parece o hino da França, que por sua vez parece ao hino da Polônia, que é similar ao hino de Moçambique que parece inspirado no hino do Cazaquistão”. O hino deveria ecoar a cultura e a personalidade única do país. Mas não é isso que vemos.

Mais do que um problema de plágio, a similaridade é sem dúvida um problema político. Não é a toa que os hinos se parecem tanto entre si. O Estado e sua soberania foram uma invenção europeia, para conter os inúmeros conflitos territoriais existentes. Na época o tratado de paz de Westfalia trouxe muito benefícios. E foi um passo importante para a transição do sistema feudal para a atual estrutura política. Por isso os hinos nacionais têm este carácter e melodia europeia tão forte. Da próxima vez que você se emocionar com o hino nacional do seu país, num evento de esporte mundial, lembre-se que tal melodia talvez tenha menos a ver com você e mais com o seu oponente.

É importante também ressaltar que a criação de países e Estados como nós entendemos nos dias de hoje, é um conceito relativamente novo no mundo. Haviam impérios, haviam reinados, haviam nações, mas o Estado Soberano não, este conceito Westfaliano Estado-Nação Soberano tem pouco mais de três séculos e meio.  Hoje em dia, para muitos a soberania estatal é como um elefante branco: está lá, é visível, grande demais e ninguém sabe o porquê da sua existência.

Então, como fica a nação? 

E o nacionalismo? Como fica então? Como que o populismo e os movimentos nacionalistas têm ganhado força na política neste momento? Quando o sistema político-econômico falha em prover respostas, as pessoas voltam-se para aquilo que se parece mais confortável para elas, não necessariamente procurando encontrar uma solução real e factível. É algo bem evidenciado pela história.

Se você nasceu neste espaço territorial delimitado enorme denominado Brasil, com tantas etnias misturadas é impossível, pela própria pluralidade cultural, definir exatamente o que é ser brasileiro. Você poder ter uma experiência pessoal do que é viver na região em que você vive. Mas o Sul tem uma cultura diferente da nordestina. O Sudeste tem características, culinárias, músicas e muito mais diferentes das do Norte do país.

A questão de identidade, quando os anéis concêntricos de identificação se expandem muito, se perde a característica mais importante da identidade, que é justamente guardar relações em comum.

Vemos isto claramente quando movimentos separatistas que desafiam a soberania estatal começam a tomar força dentro de um país. E hoje os grupos separatistas são bem conhecidos. Existe na mídia mundial uma grande divulgação de seus interesses, seus receios e seus desejos.

Hoje, eu moro na Espanha, e é interessante conversar com um catalão e um espanhol sobre a situação da Catalunha. Ambos têm suas listas de razões para suas convicções e ambos em certos graus estão corretos.

Independente do seu apoio aos movimentos separatistas, um coisa é certa,: existe em geral um sentimento  de  insatisfação com as políticas públicas globais . O conceito antigo de modelo Westfaliano de Estado-Nação soberano está dia após dia perdendo a sua força e sua narrativa.

Instrumentos com o objetivo de criar sentimentos de nacionalismo e as fronteiras arbitrariamente delimitadas por Estados são um reflexo de uma tentativa de manter a soberania Estatal à todo custo. Em outras palavras, a soberania estatal é definitivamente mais uma construção político-social do que uma verdade incontestável.

Em um tempo que falamos tanto em inovação em todos os âmbitos da nossa vida, nos esquecemos que os sistemas políticos também devem ser desafiados e novas formas de direitos democráticos devem ser criados. É alarmante pensar que a situação presente da ordem mundial como conhecemos é fundamentada em conceitos abstratos, nos quais tem nos deixado muito mais perguntas sem respostas do que soluções.


Monique Brown é estudante de Relaciones Internacionais pela Universidade Internacional de Valencia e colaborou para o SFLB com este artigo.

Este artigo não necessariamente representa a opinião do Students For Liberty Brasil (SFLB). O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected].

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