Daniel Lopes | 29 de março de 2017
[Artigo originalmente publicado em 22 de abril, 2015]
Em 1937, o economista inglês Ronald Coase se perguntou “por que as firmas existem?“. Na época, a palavra “terceirização” não estava em moda, mas o que ele queria saber era, justamente, por que as empresas recorrem ao mercado para algumas atividades e outras são realizadas dentro das suas próprias fronteiras. Quase 80 anos depois, a Câmara dos Deputados se prepara para a votação do projeto de lei 4330/2004, que regulamenta contratos de terceirização. É claro que nossos políticos até hoje não devem ter a menor ideia sobre as contribuições de Coase (Prêmio Nobel em 1991). Então, vamos tentar dar uma luz ao debate.
A resposta que Coase chegou foi a de que existem custos para se recorrer ao mercado. Entre esses custos estariam os relativos à coleta de informações sobre os preços, a negociação entre as empresas e a escrita de contratos. Muitos anos depois, outro economista laureado com o Nobel, Oliver Williamson, resgatou o trabalho de Coase e aperfeiçoou o conceito de custos de transação. Para Williamson, a decisão de “fazer ou comprar” era parte das estratégias das empresas, no entanto, os custos de transação não podiam ser diretamente mensurados e as empresas precisavam de uma ferramenta para tomar as suas decisões.
Williamson foi fortemente influência por Hayek e Herbert Simon para estabelecer os dois pressupostos comportamentais da sua teoria: o oportunismo e a racionalidade limitada. A racionalidade limitada é resultado da incapacidade do cérebro humano de analisar todas as alternativas futuras. A principal consequência é a de que os contratos assinados entre as empresas serão, invariavelmente, incompletos. O segundo pressuposto estabelece que – sendo o mercado um processo – as empresas podem agir de forma oportunista no futuro para se aproveitarem das brechas contratuais do presente.
É importante destacar que nem todas as empresas agirão de forma oportunista, no entanto, a mera existência da possibilidade do comportamento oportunista é suficiente para que esse pressuposto influência as decisões da empresa.
Assim, Williamson sugere que a melhor forma para medir os custos de transação é através da especificidade dos ativos necessários para firmar uma transação. Um ativo é específico quando o seu segundo uso é muito inferior à primeira opção de uso.
Tomemos o exemplo clássico: um oleoduto. Caso a Empresa A decida realizar uma transação com a Empresa B, ela terá que investir uma grande quantidade de dinheiro na construção de um oleoduto que levará o seu produto até a Empresa B. Caso a Empresa B decida romper o contrato com a Empresa A, restará um gigante escorregador para os filhos dos funcionários da empresa que investiu na transação.
Ora, nestes casos, as empresas têm um grande incentivo para se tornarem uma mesma companhia através de uma fusão ou aquisição. Outra opção é a Empresa A decidir criar um departamento que exerça a mesma atividade da Empresa B. Ou ainda, as duas empresas podem entrar em acordo e assinar um contrato de longo-prazo (o que para Williamson é com se a transação “caminhasse” mais para a opção “Firma” dentro do espectro “Mercado-Firma”).
Por fim, mais recentemente, Yoram Barzel, economista da Universidade de Washington, propôs a chamada Teoria dos Direitos de Propriedade (Econômicos). Para Barzel, os custos de transação estão na dificuldade de se mensurar e garantir os direitos econômicos. Atividades que são custosas (ou até impossíveis) de serem mensuradas em contratos são mais baratas se realizadas dentro da empresa. Da mesma forma, aquilo que mesmo sendo colocado em contrato é muito custoso de ser garantido que seja cumprido por terceiros. Enfim, a decisão de “fazer ou comprar” não é trivial e vai muito além da opção de “terceirizar tudo”.
Posto isso, podemos garantir para os nossos políticos:
Os custos de transação vão continuar por aí. Isso significa que as empresas continuarão contratando funcionários para uma série de tarefas ao invés de recorrer para empresas terceirizadas para tudo. Os custos de transação dependem fortemente das tecnologias disponíveis para serem reduzidos e se renovam a cada invenção que desafia a lógica contratual vigente. E, enquanto a racionalidade dos agentes for limitada e os contratos incompletos (provavelmente para sempre), as empresas precisarão manter parte das suas atividades dentro de suas fronteiras verticais.
Agora, com os ânimos um pouco menos exaltados, quem sabe será possível discutir o que realmente está em jogo: a necessidade das empresas de driblarem o emaranhado legal e tributário da CLT. Em tese, a proposta poderia facilitar a troca de contratos entre empresa e pessoa física (regida pela CLT) para contratos entre empresa e outra pessoa jurídica criada com propósito de reduzir os encargos trabalhistas. Não é por outro motivo que foi o ministro da fazenda, Joaquim Levy, o porta voz do governo na negociação com o congresso. Ora, não deveria ser o ministro do trabalho o responsável pela “defesa” dos direitos trabalhistas? O estado está é com medo de emagrecer.
Daniel Lopes é Doutorando em Administração de Empresas pela FGV-EAESP.
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