Cecília Lopes | 07 de abril de 2017
O Estado não é, nem nunca será, parâmetro para moralidade, nem tampouco justiça. Como muito se comenta, a escravidão já sucedera mediante autorização estatal – com o machismo, ocorreu e, vergonhosamente, ainda ocorre o mesmo.
Recentemente, um estarrecedor episódio explicitou o claro viés sexista presente em corporações subordinadas ao governo: uma bombeira curitibana, de 32 anos, foi sentenciada a oito dias de prisão por participar de um ensaio fotográfico no qual aparece com parte dos seios à mostra. A determinação dos superiores — ainda não cumprida porque a moça recorreu na Justiça Militar — foi dada porque ela teria violado o regulamento do Exército e da Polícia Militar (PM) do Paraná.
Um regulamento que, ao menos aparentemente, pune uma mulher por, fora de seu trabalho, exercer domínio sobre o próprio corpo, sem nem sequer expô-lo por completo, não pode ser adjetivado com nenhum recurso eufemístico; é machista, autoritário. Há diversas situações espantosas, da mesma natureza, efetuadas nas últimas décadas.
A alegação de “crime de honra” para o assassinato de parceiras já fora legalizado no Brasil colonial; a lei assegurava ao homem o suposto direito a matar sua esposa caso a apanhasse cometendo adultério; esta garantia também lhe era dada mesmo que este apenas suspeitasse da ação.
Curiosamente, houve um caso, na década de 70, no qual o homicida conseguiu safar-se da prisão com a mesma justificativa. O playboy Doca Street matou em 1976 sua companheira Ângela Diniz, em Búzios (RJ).
Em seu primeiro julgamento, a defesa acusou Ângela de tê-lo traído, classificando-a como “mulher fatal”. A estratégia deu certo, e Doca foi absolvido, sendo até mesmo aplaudido na rua. Somente em 1981, com intensa pressão de movimentos feministas, o agressor foi novamente julgado e condenado, desnudando a faceta retrógrada que a justiça estatal ainda possuía.
Além disso, inúmeros outros recursos governamentais já cercearam a liberdade da mulher brasileira ao longo da história. Mulheres só ganharam o direito ao voto em 1932, e foi apenas em 1962 que foi possível ao sexo feminino comprar, vender e trabalhar sem a autorização do marido, com a criação do Estatuto da Mulher Casada. E apenas em 1977 foi permitido judicialmente que dois indivíduos finalizassem, livre e espontaneamente, seu casamento, demonstrando a ausência da laicidade e completo desrespeito às liberdades individuais por parte do Estado.
Por mais inacreditável que pareça, ainda hoje a mulher é proibida de exercer todo e qualquer labor que lhe agrada – ou lhe resta. A prostituição, último recurso para muitas, por ser criminalizada, apenas marginaliza quem comercializa decentemente seu corpo visando a sobrevivência. O envolvimento estatal nesta troca voluntária oprime ainda mais quem busca emancipação e sustento. Seu viés machista é explícito.
Portanto, não só é conclusivo que o estado, majoritariamente composto por homens, é o grande difusor do machismo, como também que a luta por uma sociedade mais livre e igualitária não perpassa a órbita governamental. A própria visão paternalista e controladora da atividade individual, intrínseca ao estado, expõe seu caráter altamente machista e masculinizado. Apesar de algumas medidas pontuais desta instituição terem sido de grande valia para os direitos da mulher, o grande agente transformador do mundo é o indivíduo, e é em sua esfera que devemos lutar.
Cecilia Lopes é Coordenadora Local do Students For Liberty Brasil (SFLB).
Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] e [email protected]