Luciano Rolim | 13 de julho, 2017
É surpreendente como, em pleno século 21, ainda haja uma numerosa quantidade de pessoas que criticam o capitalismo utilizando o argumento de que as máquinas “roubam empregos”, enquanto alegam que a mecanização deve ser combatida ou limitada para evitar o desemprego em massa. Mas o medo das máquinas certamente ainda era muito mais forte durante o começo da Revolução Industrial.
No século XIX, o movimento inglês dos trabalhadores ludistas pregava a destruição violenta das máquinas, culpando-as pelo desemprego. Enquanto isso, inúmeros inventores eram ameaçados de morte caso continuassem a criar novos aparelhos.
Todavia, tanto o medo quanto a reação violenta dos operários não era uma novidade para aquela época. Em 1682, o matemático e filósofo francês Blaise Pascal, à época com 19 anos, criou uma calculadora primitiva, a fim de ajudar o seu pai, um cobrador de impostos que gastava horas fazendo cálculos matemáticos.
A invenção nunca chegou a ser utilizada. Computadores, os profissionais, não as máquinas, se recusavam a usar o dispositivo, pois achavam que era uma ameaça para o trabalho deles. Nos tempos antigos, Aristóteles já se perguntava o que seria dos servos quando a lira pudesse ser tocada sozinha.
Mas no que tanto os ludistas daquela época quanto os neo-ludistas do presente erram? Basicamente, porque eles analisam apenas as consequências de curto prazo da mecanização, e somente para um grupo específico de pessoas, isto é, aqueles que acabaram de ser demitidos e substituídos por uma máquina.
Quais são os efeitos de longo prazo e para toda a sociedade da mecanização e da substituição do trabalho pelos bens de capital? Primeiro, a máquina, por ser mais veloz e precisa, certamente aumenta a produtividade e barateia os custos, ou não seria utilizada. Imaginemos em uma indústria cujo chefe acabou de adquirir máquinas e demitir trabalhadores. Em um primeiro momento, ele tem duas opções: como os custos de produção estão menores, ele pode vender as mercadorias pelo mesmo preço, obtendo uma maior porcentagem de lucro. Ou ele pode manter o lucro igual e baixar o preço, com o intuito de conquistar uma maior fatia do mercado e eliminar os concorrentes.
Qualquer que seja a opção adotada, em dado momento ocorre uma consequência inevitável: as empresas concorrentes, não querendo ficar para trás, também começam a se equipar com as novas máquinas, e baixam os preços para manterem sua clientela. Esse fenômeno só é financeiramente possível graças às máquinas, ao aumento da produtividade e aos menores custos de produção.
Ou seja, a automatização resulta em dois cenários possíveis: maiores lucros aos donos das máquinas ou, o que é inevitável no médio e longo prazo, diminuição dos preços dos produtos (e, consequentemente, aumento do poder de compra de toda a sociedade). Em ambos os casos, alguém está consumindo mais, sejam os donos das máquinas, ou os consumidores em geral. No primeiro caso, mesmo que os empresários guardem todo o dinheiro nas suas conta-correntes isso apenas significaria que haveria mais crédito na economia e pequenos-empreendedores poderiam pegar empréstimos, seria mais fácil para o empregado juntar dinheiro e comprar seu carrinho de cachorro-quente.
E eis a maior falha daqueles que creem na maldição da maquinaria: acreditar que existe uma quantidade fixa de trabalho a ser realizado e uma quantidade fixa de bens e serviços para serem usufruídos.
A verdade é completamente diferente: as demandas dos consumidores são infinitas. Se uma máquina torna um produto 10 vezes mais barato, as pessoas aproveitam o dinheiro extra para comprar mais unidades desse bem, ou passam a gastar em outros produtos e serviços. Se a mecanização permite que no começo os empresários tenham mais dinheiro (antes que a concorrência baixe os preços), então os donos do capital também irão consumir mais, ou investir o capital extra para comprar ainda mais máquinas e aumentar a produção.
E qual a relação disso com o desemprego? Primeiramente, são necessários inventores, engenheiros, operários e mecânicos para projetar, construir, operar e fazer a manutenção das máquinas, o que já atenua parte do desemprego imediato gerado por elas. Porém, também é importante elevar em conta que as máquinas aumentam a produtividade do trabalho e diminuem os custos e os preços dos bens vendidos. Os consumidores passam a ter um padrão de vida melhor, podendo usufruir de mais bens e serviços.
Quanto mais coisas são consumidas, mais fábricas e serviços surgem para atender a demanda. Só que essas novas empresas precisam contratar pessoas para o seu funcionamento, e de uma maneira geral essas novas pessoas compensam aquelas que tinham sido demitidas antes. Além disso, a constante evolução tecnológica, se por um lado “rouba” empregos com máquinas melhores e mais eficientes, por outro acaba criando ocupações novas, diferentes e mais produtivas, na medida em que surgem no mercado novos produtos, invenções e serviços.
No começo da Revolução Industrial, com a mecanização do campo e o aumento da produtividade agrícola, ocorreu um êxodo rural. Os agricultores vieram para as cidades, e essas pessoas encontraram emprego no setor industrial, seja nas fábricas têxteis, no setor de transporte, na mecânica e metalurgia, nos fábricas dos novos bens que passaram a ser produzidos, etc. Nos países industrializados, na segunda metade do século XX, a contínua mecanização fabril e o uso mais intensivo de máquinas e equipamentos fez as indústrias passaram a ofertar cada vez menos emprego.
Todavia, isso não significou um colapso econômico. O que ocorreu foi que o setor de serviços passou a se expandir enormemente nas décadas seguintes, junto com uma quantidade cada vez maior de vagas de trabalho nos setores de tecnologia e pesquisa, informática, comunicações, serviços financeiros, comércio, publicidade, saúde, educação, turismo, engenharia, atividade imobiliária, etc. Não há nenhum motivo especial para acreditar, no século 21, esse processo não ocorrerá novamente aos empregos que virão a ser automatizados por máquinas e robôs.
As máquinas não são inimigas da sociedade. Muito pelo contrário, é justamente por causa delas que a humanidade se tornou cada vez mais produtiva e alcançou um padrão de vida inimaginável para os nossos antepassados. As pessoas que ficam temporariamente desempregadas por causa das máquinas na verdade são realocadas para atividades mais rentáveis e produtivas. Como disse o economista Milton Friedman:
“Quando os Estados Unidos formaram-se, em 1776, eram precisas 19 pessoas numa fazenda para produzir comida suficiente para 20 pessoas. Então, a maioria das pessoas tinha de gastar seu tempo e esforços no cultivo de alimentos. Hoje, é preciso de 1% ou 2% da população para produzir comida para todos. Agora, considere a suposta grande quantidade desemprego gerada nesse processo. Porém, surpreendentemente, não houve realmente desemprego. O que aconteceu foi que as pessoas que anteriormente estavam forçadas a trabalhar na agricultura foram libertadas pela evolução tecnológica e outras melhorias para fazer coisas diferentes. Isso nos permitiu ter um uma quantidade maior de produtos e, consequentemente, um padrão de vida muito melhor.”
Um breve adendo sobre essa observação: Em 2001, 2,4% da população americana ativa trabalhava no setor primário. Essa mesma população, que em 1776 era menor que 4 milhões de pessoas, hoje é cerca de 200 milhões (não confundir a população economicamente ativa com a população total). Portanto, de acordo com as teorias do Ludismo, a mecanização da agricultura deveria ter feito com que os Estados Unidos tivessem uma taxa de desemprego, nos dias de hoje, de 93%. Ou seja, aproximados 186 milhões de desempregados! Obviamente isso não aconteceu, devido aos empregos que a inovação tecnológica criou.
Se as máquinas roubam empregos, então seria extremamente fácil para os governos criarem novas ocupações e combater o desemprego. Bastaria a adoção de leis primitivistas, que obrigassem a sociedade a regressar tecnologicamente. O fim dos trens e caminhões para aumentar enormemente a quantidade de carroças e criadores de cavalos. Posteriormente, a própria abolição das carroças, com o transporte de produtos passando a ser feito de maneira totalmente braçal. Só isso já permitiria a criação de dezenas ou mesmo centenas de milhões de empregos no setor de transporte, com uma quantidade enorme de funcionários transportando mercadorias nos ombros!
Durante a época da Revolução Industrial, principalmente na Inglaterra e na Irlanda, existia a profissão do “despertador humano”. Era um sujeito que, com uma madeira comprida e leve, acordava os operários para eles não se atrasarem para o trabalho, cutucando-os ou batendo em suas janelas. Está claro que a concorrência desleal do despertador foi um retrocesso para a humanidade, uma vez que extinguiu o emprego de todos os despertadores humanos do mundo. Pegando o exemplo da história de Blaise Pascal, mostrada no começo deste tópico, poderíamos chegar até mesmo a proibir as calculadoras. E qual seria o resultado prático de todas essas medidas? A produtividade, os salários, o poder de compra e a qualidade de vida declinariam de uma maneira terrível, e as pessoas passariam a viver de uma maneira pouquíssimo confortável. O que importa não é a geração de empregos, mas sim a geração de empregos produtivos.
Pode parecer um exagero ou uma falácia fazer uso desses exemplos absurdos, mas isso não é verdade. Os ludistas do presente que dizem que o uso de máquinas irá causar desemprego permanente devem concordar que as máquinas já existentes (e que substituíram empregos no passado) devem ser abolidas, simplesmente para não se contradizerem. É interessante a colocação do economista Henry Hazlitt sobre esse assunto:
“Se, de fato, fosse verdade que a introdução da máquina que poupa mão-de-obra é uma permanente causa do crescente desemprego e da miséria, as conclusões lógicas que se tirariam seriam revolucionárias, não só no campo técnico, mas também no nosso conceito de civilização. Não só teríamos que considerar calamidade todo progresso técnico, como teríamos que considerar com igual horror todo progresso técnico passado.Todos os dias, cada um de nós, segundo sua própria capacidade, empenha-se em reduzir o esforço exigido para consecução de determinado resultado. Cada um de nós procura economizar seu trabalho, economizar os meios necessários para atingir seus fins. Todo empregador, pequeno ou grande, procura, constantemente, conseguir seus resultados de maneira mais econômica e mais eficiente, isto é, poupando trabalho. Todo trabalhador inteligente procura reduzir o esforço necessário à realização da tarefa que lhe é atribuída. Os mais ambiciosos procuram, incansavelmente, aumentar os resultados que podem conseguir num determinado número de horas. Os tecnófobos, se fossem lógicos e coerentes, teriam que deixar de lado todo esse progresso e engenho, não só como inúteis, mas também como prejudiciais.”
A substituição do homem pela máquina certamente gera efeitos negativos no curto prazo, como o desemprego e uma instabilidade até uma nova reorganização do mercado de trabalho, mas quando a mesma acontece o benefício é maior para todos, devido ao aumento da especialização e da produtividade. A fórmula é simples: mais tecnologia aumenta a produtividade, o que gera mais riqueza e algumas demissões. Essa riqueza extra acaba servindo para criar mais empregos – e assim a roda viva da economia continua. Finalizo a questão das máquinas com uma interessante observação de Leandro Narloch:
“…e se os manifestantes ingleses tivessem conseguido que o governo proibisse máquinas para preservar empregos? O resultado seria que os descendentes daqueles trabalhadores teriam hoje uma vida imensamente mais difícil. Não só os alimentos e as roupas custariam mais, como não haveria gente para projetar edifícios, carros, telefones celulares, máquinas de lavar roupa, sistemas de internet e para escrever livros. Nada de iluminação elétrica na rua, em respeito ao emprego dos acendedores de lampião à gás (…). Páginas de internet não poderiam mostrar mapas de graça, para não acabar com o trabalho dos cartógrafos. Seria preciso ligar para uma telefonista para completar cada ligação telefônica, pagar a ascensoristas nos elevadores não automatizados, passar a maior parte do tempo na roça cultivando os próprios alimentos e usar o fim de semana para tricotar casacos, já que as roupas continuariam sendo pouco acessíveis aos pobres (…). As pessoas que perdem o emprego para as máquinas não são vítimas do progresso. São consumidores que usufruem dos prazeres infinitos que a inovação, a concorrência desleal e as máquinas tornaram acessíveis”
Luciano Rolim é membro do Clube Farroupilha.
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