Andrea Faggion | 6 de junho, 2017
“Indivíduos têm direitos e há coisas que nem pessoas nem grupos podem fazer a eles (sem violar esses direitos)” – Robert Nozick
Robert Nozick nasceu no Brooklyn, em Nova York, em 16 de novembro de 1938. Era filho único de um pequeno empresário, Max Nozick, e de Sophie Cohen Nozick, ambos imigrantes oriundos de uma colônia judaica da Rússia. Foi casado com a poetisa Gjertrud Schnackenberg, com quem não teve filhos, e, antes dela, com Barbara Fierer, com quem teve os filhos Emily Sarah Nozick (1966) e David Joshua Nozick (1968). Após longa batalha contra um câncer de estômago diagnosticado em 1994, batalha durante a qual permaneceu produtivo o tempo todo, faleceu em 23 de janeiro de 2002, em Cambridge, Massachusetts, onde está enterrado.
Em 1959, Nozick tornou-se bacharel em filosofia pela Columbia College. Em 1963, doutorou-se também em filosofia pela Princeton University, onde lecionou como instrutor e professor assistente entre 1962 e 1965. De 1965 a 1967, teve seu primeiro período como professor, então assistente, em Harvard, para onde voltou definitivamente em 1969, após breve estada, também como assistente, na Rockefeller University. Conhecido por seu brilhantismo, tornou-se um dos professores titulares mais jovens da história de Harvard, com apenas 30 anos.
Embora Nozick tenha se tornado famoso por sua defesa de um libertarianismo radical na obra Anarquia, Estado e Utopia (1974), durante seus anos de ensino médio e graduação, ele foi um socialista engajado. Como ele mesmo admite na própria obra mencionada, seu interesse pelo libertarianismo nasceu da intenção de refutá-lo. Ao desenvolver estudos para tanto, acabou convencido. Anarquia, Estado e Utopia, apesar de ser seu primeiro livro, permaneceu sempre como a obra mais conhecida de Nozick, pois foi a obra que alçou o libertarianismo a um lugar de destaque na filosofia política acadêmica e fez reviver a tradição liberal clássica na filosofia contemporânea.
Da fama de Anarquia, Estado e Utopia, porém, não se deve concluir que Nozick tenha sido um filósofo cuja importância se esgota na filosofia política. Na verdade, ele nem sequer gostava de ser definido como um filósofo da política. As contribuições de Nozick para a epistemologia, a teoria da decisão e até mesmo para a metafísica são reconhecidas no meio acadêmico. O filósofo escreveu interessantes obras sobre tais assuntos e era grato à universidade de Harvard por permitir que ele jamais repetisse um curso, variando sempre seus tópicos conforme seus múltiplos interesses.
Em parte por ter preferido explorar outras áreas da filosofia e, portanto, nunca ter escrito uma defesa de Anarquia, Estado e Utopia, Nozick foi considerado por muitos como uma espécie de desertor do libertarianismo. Essa tese ganha muita força quando temos em vista as observações feitas por Nozick em seu The Examined Life, livro publicado em 1989, ainda sem tradução para o português. Nesse livro, Nozick parece sugerir muito claramente ter passado a encarar o libertarianismo como um radicalismo de juventude, com o qual ele não gostaria mais de se ver associado.
Todavia, em sua última entrevista, publicada em 26 de julho de 2001, o filósofo repreende veementemente a divulgação exagerada do que ele chama de “rumores” sobre seu abandono da doutrina libertária. Nessa entrevista, explicando as teses de seu último livro, Invariances: the Structure of the Objective World (2001), também sem tradução para o português, Nozick expressa uma visão aparentemente compatível com a filosofia política de Anarquia, Estado e Utopia. Distinguindo entre um domínio da ética que pode ser objeto de coerção legítima e um outro domínio que não é suscetível a tanto, Nozick observa, na referida entrevista, que libertários, grupo no qual ele se inclui expressamente, nunca quiseram reduzir toda a ética ao primeiro domínio.
Mas qual o domínio de obrigações que podem ser objeto de coerção? Para afirmarmos que há uma perfeita coincidência entre esse domínio, tal qual delimitado em Anarquia, Estado e Utopia, e, mais tarde, em Invariances, precisaríamos de um longo e detalhado estudo. Porém, parece ser o caso que os contornos desse domínio são traçados de modos bem parecidos em ambas as obras: temos a obrigação de restringirmos a busca de nossos fins egoístas, quando essa busca implica no uso de outros contra suas vontades, e o cumprimento dessa obrigação pode ser matéria de coerção legítima. Diz Nozick, no fim da vida, que toda a ética é demolida quando queremos forçar mais do que esse domínio autenticamente libertário de obrigações.
Assim, a importância de Nozick para o libertarianismo reside em seu permanente compromisso com uma ética da proteção e da promoção da cooperação voluntária, por mais que sua posição sobre os fundamentos e as implicações dessa concepção de ética possam ter variado, nem sempre coerentemente, ao longo de sua carreira.
Segundo o próprio Nozick, suas três principais obras são Anarquia, Estado e Utopia, Philosophical Explanations (1981, sem tradução para o português), e Invariances. É difícil dizer que uma delas tenha mais valor filosófico do que as outras, mas, certamente, o peso histórico se concentra na primeira. Diferentemente do que ocorre nas duas últimas obras, Anarquia, Estado e Utopia, como é bem sabido, não se ocupa de construir uma teoria ética, explicando por que, afinal, indivíduos humanos possuem direitos. A obra assume que indivíduos possuem direitos independentemente de seu pertencimento a uma dada sociedade ou de sua participação em um contrato específico, o que deve ser considerado uma visão jusnaturalista em sentido amplo. Mais do que isso, esses direitos são considerados absolutamente invioláveis, o que implica em um compromisso com uma ética deontológica cujos princípios não comportam exceções. Assumido esse pressuposto, Nozick se pergunta como deve ser a filosofia política adequada a tal visão. É disso que trata Anarquia, Estado e Utopia.
Uma das principais teses de Anarquia, Estado e Utopia é que, ao contrário do que pensam anarquistas como Rothbard, é possível que uma instituição que poderíamos chamar de “Estado” surja e se conserve sem violar os direitos dos indivíduos. Para entender o ponto, antes de mais nada, é preciso saber que Nozick aceita o livre mercado de agências de proteção do anarco-capitalismo. A ideia, basicamente, é que proteção é um benefício, não um direito, portanto, o mercado deve prover esse benefício como provê qualquer outro.
Não podemos exigir a proteção como um direito, em vez de mercadoria, exatamente porque direitos correspondem a obrigações cujo cumprimento pode ser forçado. Assim, quando qualquer benefício é convertido em direito, outro pode ser escravizado como nosso provedor. Em suma, a conversão de direitos em benefícios implicaria no abandono da noção central de “auto-propriedade” – o direito de fazer e deixar de fazer de si o que se entende por bem, desde que isso não implique na lesão de direito equivalente de outro – e a adesão a uma noção de “co-propriedade”, segundo a qual cada indivíduo poderia usar de si, mas também de outro, sem consentimento, para seus próprios fins. Fiel à noção de auto-propriedade, Nozick trata proteção como benefício e, portanto, como mercadoria, não como direito.
Mas o que, então, separa Nozick dos anarco-capitalistas em geral? Basicamente, Nozick entende que o mercado de proteção tem uma tendência absolutamente singular: a formação de uma agência dominante ou a composição de uma federação de agências em cada território. O argumento para tanto – e as críticas, por exemplo, de Rothbard, contra ele – não vem ao caso em um pequeno guia informativo. O que é importante entender é que, ao fim e ao cabo, o que Nozick chama de “Estado” é apenas uma agência (ou uma federação) que se tornou dominante em um dado território, e é assim que essa agência (ou a federação) precisa continuar se concebendo para não se tornar uma agência agressora.
Isso significa que a agência (ou federação) não pode proibir a concorrência, nem pode perder de vista que os indivíduos naquele território são apenas seus clientes, quando têm alguma relação direta com ela. Em poucas palavras, para que a agência não se torne agressora, ela deve permitir o exercício do direito do cliente de deixá-la, bem como o direito do indivíduo de não contratá-la, optando por outra, por abrir seu próprio negócio de proteção ou por ficar independente.
Outro ponto essencial conectado a esse é que o Estado de Nozick não possui qualquer privilégio ético ou jurídico. O direito que ele possui de proteger os direitos de seus clientes é o mesmo direito que cada indivíduo possui de proteger seus próprios direitos, o que significa que oficiais do Estado nozickiano podem ser punidos por independentes se violarem seus direitos, tanto quanto independentes podem ser punidos se violarem direitos de membros do “Estado”. À questão se é assim que os Estados são na realidade, Nozick opõe uma outra: “não é assim que deveriam ser?”
A segunda tese fundamental de Anarquia, Estado e Utopia é o anti-redistributivismo. Se indivíduos não possuem direito à proteção (embora possuam o direito de se protegerem), menos ainda possuiriam algum daqueles direitos contemplados em uma constituição como a brasileira: saúde, educação, moradia, etc. O maior adversário de Nozick aqui, sabidamente, é John Rawls. Através de uma série de argumentos analíticos e diversos experimentos de pensamento, Nozick procura provar, por exemplo, que concepções de justiça distributiva (justiça na posse de bens) que prescrevam um determinado padrão de distribuição de posses na sociedade implicarão, necessariamente, em regimes políticos de interferência permanente na liberdade individual. O objetivo não é refutar essa ou aquela teoria da justiça, mas mostrar que não podemos ter o melhor de dois mundos. Temos que optar entre o governo entendido como aparato de proteção da liberdade ou uma concepção de governo promotor de igualdade ou bem-estar social.
Andrea Faggion é professora na Universidade Estadual de Londrina.
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