Luan de Menezes | 2 de maio de 2017
Um dia desses me perguntaram: “Luan, se defende legalização das drogas, o feminismo e casamento homossexual, o que faz você diferente da esquerda? ”. Percebi que era uma pergunta sincera, de alguém com curiosidade e uma vontade inocente de aprender.
Contudo, confesso que não foi uma pergunta fácil de responder. Não porque a pergunta fosse complexa. Mas porque era capciosa. Decidi que responder que era um liberal e que rejeitava os termos esquerda e direita como posição política era o jeito mais simples para se fazer entender.
Seria fácil dizer que não sou de esquerda porque a esquerda rejeita o livre mercado e abraça o intervencionismo econômico. Mas isso seria me colocar diretamente no grande guarda-chuva retórico que se transformou o termo direita. Não me encaixo junto com conservadores, militaristas ou fundamentalistas (apesar de haver alas à esquerda com as mesmas posturas) que proclamam o termo para si. Além disso, basear o espectro político apenas no modelo econômico que se defende é rejeitar toda a ciência política.
É realmente menos reducionista e mais correto me considerar liberal. Mas o que é um liberal de fato?
É comum encontrar na internet, livros ou jornais duas divisões da liberdade. Essa divisão acontece por vários motivos, que variam entre didatismo a recorte ideológico. Mas o que importa é que essa divisão é inadequada em vários sentidos.
A liberdade econômica geralmente se refere ao modelo econômico de um país, se ele é intervencionista ou aberto ao livre mercado. Na ciência econômica atual não existe binarismo entre intervencionismo ou livre mercado. Hoje os países se localizam em um longo espectro de regimes comerciais, que variam em intensidade e grau. [1]
Para os defensores da liberdade econômica, quanto mais livre é um país, mais próspero ele é. E há bons motivos para se acreditar nisso. Dados não faltam. Realmente todo país desenvolvido teve em seu passado e ainda tem um alto grau de liberdade econômica, mesmo aqueles com alta carga tributária.
Já a liberdade individual se refere geralmente às características mais comum que a sociedade atribui à palavra liberdade: liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, liberdade religiosa, liberdade de fazer o que quiser sem prejudicar terceiros, etc. Essa liberdade é muito mais notada pelo senso comum, a que mais desperta paixões e a que mais dói se retirada. Contudo, tanto a liberdade individual quanto a liberdade econômica fazem parte da mesma categoria de fenômeno: a liberdade humana.
O grande erro aqui é rejeitar a liberdade econômica como uma liberdade individual essencial. E isso não acontece por causa do senso comum. O camelô, todo dia perseguido pelo rapa, o vendedor de marmita, que teme a fiscalização já que vende seu produto na própria casa, o motorista da van informal e o trabalhador comum, que usufrui de todos esses bens e serviços, sabem muito bem da importância da liberdade econômica para nossas vidas. Eles sabem que teriam uma vida muito melhor se tivessem a liberdade de empreender sem medo.
Quem rejeita a liberdade econômica como essencial é o acadêmico sem experiência no mercado, o político que nunca teve que satisfazer clientes para prosperar e o Juiz que acha que propriedade privada é um negócio que só rico pode ter.
Nesse sentido, tanto a esquerda quanto a direita já rejeitaram uma ou outra liberdade individual. A direita já rejeitou a liberdade de expressão em favor do fundamentalismo religioso como a esquerda já foi a favor do planejamento econômico e burocrático em detrimento da liberdade econômica. E é aí que entra o liberal.
Inúmeros autores e teorias tentaram se definir como a terceira via política, a salvadora das nações, o meio-termo de ouro. Todos falharam. O liberalismo, contudo, não possui essa vontade ou designação. Ele está tanto na direita como na esquerda, no centro e no libertário. Não é uma doutrina rígida e fechada, é na verdade uma metamorfose de pensamento, que evolui e se desenvolve de acordo com os autores que abraçam seus princípios. Que princípios são esses? A liberdade humana.
Para o liberal, a defesa tanto da liberdade econômica e liberdade individual são uma só. Você não pode ser meio-liberal ou defender a liberdade pela metade. Se é a favor do comércio, por que seria contra o comércio de drogas? As guerras as drogas matam mais que as drogas em si. Separar o problema das drogas do problema das guerras às drogas é o primeiro passo para se pensar em uma solução.
Além disso, reconhecer o machismo na sociedade também é outro passo para pensar em soluções que ajudem as mulheres a serem mais livres e independentes em um mundo que precisa cada vez mais de capital humano. O feminismo nasceu como movimento liberal e há muito de liberalismo no movimento feminista atual.
E o que é mais liberal do que defender que duas pessoas que se amam formem uma família? O casamento homossexual hoje está em pauta por causa de princípios que nasceram com o liberalismo: a democracia, o estado de direito e a tolerância.
No fim das contas, há muita gente que se define de esquerda ou direita mas defende em certo grau a liberdade humana. Faz parte do jogo político. Mas a coerência pede que se defenda de maneira correta aquilo que acreditamos ser o pilar do progresso humano. O liberal não pode esperar que o conservador ou o socialista defenda a liberdade por ele. Contudo, isso não faz com que essas vertentes sejam inimigas inconciliáveis. Apenas define quem é o verdadeiro protagonista da liberdade.
[1] STIGLITZ, Joseph E., CHARLTON, Andrew. Livre mercado para todos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007
Luan de Menezes é uma liderança do Students For Liberty Brasil (SFLB).
Este artigo não necessariamente representa a opinião do SFLB. O SFLB tem o compromisso de ampliar as discussões sobre a liberdade, representando uma miríade de opiniões. Se você é um estudante interessado em apresentar sua perspectiva neste blog, envie um email para [email protected] e [email protected]